início bocadomangue Mario Moscatelli

400 PPM

No final do mês de maio, a notícia aterradora chegou. Em resumo, as emissões de gases que provocam o aquecimento no planeta Terra haviam ultrapassado a temida marca de 400 partes por milhão.

Mas o que quer dizer isso? Simplesmente com essa concentração, segundo os experts, o incremento previsto para a temperatura global para o final deste século será de 2 à 6 graus centígrados, gerando os piores cenários imaginados como por exemplo: aceleração do processo de degelo, extremos climáticos mais intensos e freqüentes e todo o cenário típico encontrado no Apocalipse.

Os anjos tocam suas trombetas nos quatro cantos, entoando a abertura dos quatro selos e com eles libertamos finalmente o Kraken ambiental que irá nos devorar. Legal, não é? Mas não é filme de terror não! É a realidade!

Lembro bem das aulas que eu dava no final do século passado e início desse, baseadas em matérias jornalísticas, produzidas sobre documentos do pentágono que alertavam, durante o período da eleição norteamericana, quando o candidato republicano obteve seu segundo mandato, que terrorismo seria fichinha quando comparado com o CAOS que estaria por vir em conseqüência das mudanças climáticas.

Infelizmente por miopia, arrogância e soberba, avançamos demais sobre os recursos naturais do planeta que nos obrigam, mesmo com a crescente mas ainda tímida consciência ambiental, ultrapassarmos o tão temido limite.

Estima-se que do jeito que vai, onde quem manda mesmo é a prima rica da Ecologia, isto é, a metida à besta Economia, chegaremos no atual ritmo em vinte anos aos 500 ppm e aí sabe-se lá, mais o que irá acontecer e cada um por si e o senhorio por todos.

Não sou eu que estou falando, mísero biólogo, catador de lixo dos mangues da região metropolitana do Rio de Janeiro, embrenhado numa guerrilha quase que solitária em defesa do que sobrou bem como na recuperação do que é possível recuperar, mas doutores, pós-doutores disso e daquilo que só fazem monitorar, pesquisar, criar modelos matemáticos e chegar à conclusão que estamos descendo ladeira abaixo numa velocidade cada vez mais intensa rumo ao COLAPSO.

Não tenho dúvida que o planeta sempre mudará como tem mudado desde sua nascença e por isso estamos aqui, mas o custo humano desta atual mudança será desastroso para a maioria que estiver principalmente nas zonas costeiras e insulares. Tudo leva a crer que vai ficar tudo debaixo d'água e os mangues retomarão nos trópicos o que lhes foi tomado emprestado por algumas centenas de anos.

Apesar da importância dessa informação, não observei nenhuma reação dos governos nem tão pouco das sociedades humanas. É como se essa notícia não tivesse nenhuma interação com nossas vidas. É como se vivêssemos em outro planeta diferente daquele que se vê aquecendo de forma permanente e onde se queira ou não é nosso único lar.

Entre as notícias da economia da zona do euro que balança, mas não cai, da nossa economia que não cresce quase nada apesar da inflação e dos estímulos e em geral das perspectivas da economia mundial à beira de um ataque de nervos dependente cada vez mais do Dragão Chinês e do Tio Sam, eu sobrevôo meu quintal que se estende da baía de Guanabara à baía de Ilha Grande.

Faltando trinta e seis meses para a tal Olimpíada, o cenário ambiental continua desolador. Por onde se olhe se encontra merda e lixo escoando por todo lugar em direção às lagoas e baías. Ocupação desordenada tanto na região metropolitana como nos municípios do sul fluminense. É uma zona de ponta a ponta que se estende também para dentro d'água.

Na baía de Paraty, dentro da Estação Ecológica de Tamoios, ao menos 70 e poucas embarcações, geralmente traineiras, arrastavam o fundo da baía desta manhã de segunda-feira da semana do “1/30 de ambiente”, arrasando a fauna marinha local exclusivamente atrás do camarão. O resto de vida marinha que vinha na rede era descartado que nem lixo para a felicidade de gaivotas.

Algumas embarcações arrastavam a poucos metros da praia e das ilhas em áreas de pouquíssima profundidade, adiantando o tal Apocalipse para inúmeras espécies marinhas, aradas do fundo da baía local.

Fiscalização? O que é isso? Da mesma forma que se continua jogando merda dia e noite na praia de Botafogo e na marina da Glória como também em quase toda a baía de Guanabara ao custo de UM BILHÃO DE DÓLARES, também na baía de Ilha Grande, o espelho dágua continua sendo a terra de Marlboro, ou casa da mãe Joana, numa verdadeira terra de ninguém. Até quando meu bom Pai?

E aí o que fazer além de escrever essas breves linhas? Encaminhei entre uma capivara morta e um jacaré desossado no sistema lagunar, emails ao MP Federal e às secretarias municipais e estadual de ambiente, solicitando alguma ação, visando deter o processo de degradação crescente sobre os recursos naturais ainda existentes.

Enquanto isso os 400 ppm vão subindo sob a batuta do crescimento econômico sem limites, onde o que interessa é o PIB numa população humana que não pára de crescer com recursos estratégicos cada vez menos abundantes para a maioria.

A coisa vai mal e não é devido à falta de dinheiro. É falta de vergonha na cara mesmo e fica evidente que o senhorio está prestes a tomar providências, independente de quem esteja na frente.

rede de arrasto
"Na baía de Paraty, dentro da Estação Ecológica de Tamoios, ao menos 70 e poucas embarcações, geralmente traineiras, arrastavam o fundo da baía desta manhã de segunda-feira da semana do “1/30 de ambiente”, arrasando a fauna marinha local exclusivamente atrás do camarão. O"

Pobres crianças, animais e plantas, pois o resto merece mesmo é o sofrimento diante de tamanha lerdice.

Mario Moscatelli - Biólogo - MSc. em Ecologia

Confira as imagens recentes da poluição das águas cariocas.
Fotos feitas em junho de 2013 



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