início bocadomangue Mario Moscatelli

BEM AVENTURADO O QUE SUPORTA OS INFORTÚNIOS COM FÉ
(mas até quando?...)



Olho para as águas da laguna de Marapendi transformadas mais uma vez num depósito de fezes pela estação da CEDAE de mesmo nome, situada em suas margens.

A empresa estatal CEDAE, para quem não sabe, é a toda poderosa empresa que presta o serviço de fornecimento de água e diz que presta o serviço de coleta e tratamento do esgoto produzido pela cidade do Rio de Janeiro. Uma verdade relativa no segundo caso.

Minha relação com essa estatal vem de longe, desde que a mesma cobrava por serviços de saneamento que não prestava na lagoa Rodrigo de Freitas, transformando aquele ecossistema em seu pinico chique em plena zona sul da cidade nos anos oitenta e noventa.

Foi mais de uma década pelejando contra o corporativismo e a indolência típica de estatais, estilo cabide de empregos. Mas como dizem, um dia a “casa cai” e aí a mobilização da sociedade e dos meios de comunicação obrigaram, os políticos, burrocratas e aspones a se mexerem e de forma quase que milagrosa, as quatrocentas toneladas de peixes mortos serviram para alguma coisa.

Finalmente a CEDAE se via obrigada a trabalhar e a fornecer os serviços para os quais era paga, mas negava-se há anos à entregar o produto, isto é, saneamento. Materializado aos trancos e barrancos como de praxe, o termo de ajuste de conduta assinado com o ministério público estadual, atrasado e arrastado, quando concluído, possibilitou aos peixes pararem de morrer e a qualidade da água progressivamente melhorando.

Agora enquanto a lagoa Rodrigo de Freitas vai se recuperando do infortúnio de ter sido usada como latrina pela estatal por tantos anos, o sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá “come as fezes que o Diabo amassou”, ou melhor, que a CEDAE não tratou.

As mortandades vêm se tornando normais na lagoa de Marapendi sempre prontamente atribuídas tecnicamente pelo órgão ambiental estadual como fruto da ação da Natureza, ou seja, a vítima segundo o INEA é na míope verdade corporativista estatal, a verdadeira culpada pela sua própria morte. Em resumo, a Natureza é uma suicida!

Em última análise o INEA realmente tem razão, visto que quando a mãe Natureza deu condições para as espécies como as do Homo fecalis e Homo corporativistas dominarem boa parte de minha cidade, literalmente deu um tiro no pé e vem pagando as conseqüências por esse desatino.

Enquanto o mar limpo dos índios, moradores originais da região da baixada mais parece um mar de merda, outros pontos do litoral de minha cidade continuam sob o ataque das espécies de primatas, destruidores de mundos.

A praia de Botafogo na manhã do dia 08 de março de 2012, a menos de três meses da RIO+20, era o cenário da demonstração de poder e da total impunidade. Pela galeria de águas pluviais vazavam milhares de litros de esgoto que geravam “pinturas colimórficas” naquilo que um dia foi água. Da mesma forma o caos colifórmico imperava na cloaca da Glória, um dia no passado chamada de marina, onde barquinhos flutuavam no meio de manchas de óleo e pedaços de merda, situação semelhante ao do porto do Rio de Janeiro, onde autoridades desatentas pretendem criar o “Porto Maravilha” e tantas outras “mudernidades” enquanto as águas da pobre baía de Guanabara continuam como presas fáceis de quem faz propaganda que faz, mas não faz.

Reitero que nada me garante resultados ambientais satisfatórios quando apenas analisamos os potenciais valores astronômicos que o governo do estado do Rio de Janeiro, afirma estar empregando no saneamento da baixada de Jacarepaguá.

 

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"...situação semelhante ao do porto do Rio de Janeiro, onde autoridades desatentas pretendem criar o “Porto Maravilha” e tantas outras “mudernidades” enquanto as águas da pobre baía de Guanabara continuam como presas fáceis de quem faz propaganda que faz, mas não faz. "


Não adianta absolutamente NADA dizer que o governo “investiu quinhentos, seiscentos, um bilhão de reais em saneamento”, quando o gerenciamento dos recursos resultam em resultados ambientais pífios. Não são apenas os valores, mas principalmente o gerenciamento dos mesmos irão gerar dentro de um planejamento estratégico técnico e geográfico e não apenas midiático, os resultados ambientais esperados.

Lembrando do óleo, o rio Iguaçu, um dos enormes valões de esgoto e lixo que desova sua putridão na baía de Guanabara, continuava sendo asfaltado por alguma coisa que no meu planeta natal, chamamos de óleo, mas por aqui, onde predomina o mundo dos “malfeitos e dos aloprados” não há ainda uma denominação exata, um vazio forçado pela peleguismo ambiental vermelho em detrimento de outra mais do que poderosa estatal, a PETROBRÁS e sua refinaria REDUC.

Mas nesse quadro de degradação, pintado em marrom, cinza, negro, há também espaço para o verde abacate das cianobactérias que a cada maré de sizígia invadem a praia da Barra.

Vou acompanhando os infortúnios da mãe Natureza, tratada com desprezo e suas respostas silenciosas. Como já disse, desde que o inferno e Deus se tornaram politicamente corretos o Homo fecalis e o Homo corruptos , deitam e rolam visto que no inferno não há mais vagas e Deus em sua misericórdia infinita aceita à todos de braços abertos.

Um dia antes, eu recebia da secretaria municipal de meio ambiente da cidade do Rio de Janeiro, o diploma de honra ao mérito – parceiro ambiental em conseqüência de “minhas iniciativas que contribuem para um Rio mais sustentável”.

Enquanto a homenagem acontecia e meu ego se sentia agradecido, eu me perguntava, por que eu estava recebendo tal homenagem? O que eu fazia que me distinguisse dos demais cariocas? Logo percebi que eu estava lá não pela homenagem em si, mas para trazer no pouco mais de um minuto diante de autoridades e um público associado às questões ambientais o grito das lagoas, manguezais e baías de minha cidade na qual trabalho. Talvez reflexo de algum tipo de egocentrismo mas nos poucos momentos que estive com o microfone, pude informar mais uma vez o estado de profunda degradação no qual meus amigos e amigas vivem e perecem numa cidade em constante transformação.

Um dia depois do vôo acompanhado pelo Cônsul Geral da Itália que me acompanhou no vôo do projeto OLHOVERDE, sinto um peso enorme sobre as costas. Meu corpo moído, sono durante boa parte do dia, pálpebras pesadas, como se não tivesse dormido durante a noite anterior. Praticamente nada do que eu havia presenciado e encaminhado à imprensa e às autoridades geraram reação ou divulgação proporcional ao caos que eu havia observado. Era como se tudo fosse para ser daquele jeito mesmo. “Tudo tão errado que até parece certo”, como dizia a letra de uma música dos anos oitenta.

O caótico processo de degradação, suas conseqüências ambientais e na saúde pública não geram mais manchetes nem notas de rodapé, visto que se tornaram lugar comum.

Pode ser que algo mude, visto que o importante é continuar “jogando os dados”, esperando que de onde menos se espere surjam os reforços contra os destruidores de mundos.

Enquanto isso, continuo fotografando e denunciando num planeta de surdos, mudos, cegos e sem olfato.

Mario Moscatelli - Biólogo - MSc. em Ecologia

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