início bocadomangue Mario Moscatelli

CULTURA DO PAU-BRASIL

Não é de hoje que a cultura do pau-brasil, isto é, usar até acabar, domina as relações da sociedade brasileira com o meio ambiente. Foi assim desde o início da exploração européia e é até hoje com os mais variados recursos naturais que ainda sobraram deste apocalipse que se abate desde o século XVI por essas terras de megadiversidade.

A cidade do Rio de Janeiro é um exemplo clássico do que nossa sociedade, seus representantes e sua cultura podem fazer com um outrora e até então recente paraíso ambiental.

O termo “cidade maravilhosa” nada mais era do que a constatação do que se via pelo conjunto de ecossistemas que apesar de algumas fortes intervenções ainda produziam espetacular cenário ambiental para seus habitantes no início do século XX.

Vale sempre lembrar que ainda na década de 30 do século passado, as descrições paradisíacas de Magalhães Correa sobre a baixada de Jacarepaguá, onde quando comparadas com o estado de degradação hoje encontrado, passados apenas 79 anos, mostram bem nossa incompetência cultural no trato com o meio ambiente.

Pois então, em pleno século XXI, nossos vereadores instituem oficialmente o “bolsa-floresta” ou na verdade o “bolsa-invasão” que em resumo dá auxílio financeiro aos moradores de favelas em áreas de risco ou de preservação ambiental.

Para piorar as coisas, o dinheiro para premiar os invasores bem como a histórica falta de políticas públicas de habitação e de transportes, responsabilidade esquecida pelo tal poder público, viria em parte do pobre Fundo Municipal de Conservação Municipal. Aí é demais! Gostaria de perguntar aos nobres vereadores se conhecem o estado de quase total abandono das unidades de conservação municipais como é o caso da Área de Proteção Ambiental de Marapendi situada na baixada de Jacarepaguá bem como de degradação generalizado de nossas bacias hidrográficas transformadas em sua maioria em valões de esgoto e depósitos de lixo, produto da incompetência administrativa e da política do quanto pior, mais clientelismo e assistencialismo.

Destaco que a cidade do Rio de Janeiro vive talvez um dos seus momentos históricos ambientais mais dramáticos onde temos claramente, seja pelas alterações climáticas planetárias em franca implantação como pelo claro processo de metástase ambiental no qual o território municipal é submetido pelo crescimento desordenado de sua malha urbana para claras opções:

1- Remoção, relocação, transferência ou o nome que queiram dar é sim uma das muitas medidas necessárias para colocar ordem na casa. Dou como exemplo as ocupações irregulares por diversas vezes denunciadas por inúmeros meios de mídia seja no canal do Cortado em faixa marginal de proteção (baixada de Jacarepaguá) ou nos apicuns e manguezais de Guaratiba e na faixa marginal do rio Piraquê-Cabuçú, onde nenhuma “autoridade” tomou qualquer ação até hoje e no momento as edificações além de ocuparem áreas de preservação ambiental também expõem seus moradores a riscos que variam das conseqüências da falta de saneamento básico à inundação de suas moradias.

2- Se os enfáticos discursos políticos e empresariais a respeito de soluções e financiamentos para uma política habitacional não saírem de seus palanques para a realidade, pouco de fato vão ser úteis na resolução do problema da metástase ambiental que as favelas geram na cidade do Rio de Janeiro. Precisamos é de menos factóides e mais ação.

3- Também não podemos esquecer que as políticas habitacionais devem estar claramente associadas a políticas de transportes que forneçam aos moradores reassentados em moradias com água, esgoto, escolas públicas, creches e unidades de saúde, transporte de boa qualidade. Caso contrário estaremos mais uma vez reproduzindo os erros e conseqüências de um  passado bastante recente.

4- Nunca falta dinheiro para o poder público. Sempre o que falta é vontade política embasada em conhecimento técnico prioridade no interesse da sociedade no que deve ser de fato prioridade no destino dos recursos públicos obtidos pelo extorsivo e colonial regime tributário brasileiro. Vejam o exemplo do uso irresponsável de meio bilhão de reais no inacabado equipamento musical “único na América Latina” denominado “Cidade da Música”. Imaginemos no que poderia ser utilizado tamanho volume de recursos, só sob a ótica ambiental como exercício custo/benefício:

  • Recuperação e regularização fundiária (gerenciamento de fato) de todas as unidades de conservação municipais abandonadas;
  • Criação de sistema de tratamento dos principais rios (valões) de esgoto que desembocam na baía de Guanabara;
  • Geração de políticas habitacionais e de transporte municipais capazes de amenizar o processo de ocupação desordenada do solo;
  • Recuperação de todo o sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá e de sua respectiva bacia hidrográfica;
  • Instalação do sistema de saneamento na bacia da baía de Sepetiba.

Enfim o que não faltariam são prioridades na área ambiental e que estariam diretamente associadas à melhoria da qualidade de vida da população e responsáveis diretas pelo desenvolvimento econômico de nossa cidade através de atividades ambientalmente e economicamente sustentáveis como o ecoturismo e suas conhecidas conseqüências ao nível de geração de postos diretos e indiretos de trabalho.

Infelizmente seja por falta de conhecimento técnico, devaneios pessoais ou principalmente de olho nas próximas eleições, nossos legisladores e administradores públicos ainda em sua maioria optam pelo mais fácil, o mais simpático e pelo que renderá mais votos e assim nada, absolutamente nada tem sido resolvido no seu cerne.

Dois mundos
> Resultado ambiental pífio do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara que já consumiu UM BILHÃO DE DÓLARES e continua produzindo nas águas dessa baía esse cenário. Este cenário apocalípitico é fruto da CERTEZA DA IMPUNIDADE do administrador público brasileiro, da fragilidade dos mecanismos de controle legais brasileiros em apurar e encarcerar os delinqüentes que usam os recursos públicos sem prestar contas práticas de seus resultados e finalmente da PASSIVIDADE catatônica da sociedade brasileira, pagadoras de carga extorsiva de impostos que nada faz e se conforma com quase tudo. A exceção se dá quando a escola de samba ou o time de futebol da preferência perdem, podendo ocorrer verdadeiros tumultos cívicos nessas circunstâncias. Que bundões!

Enquanto isso longe de teorias acadêmicas e de defesas apaixonadas, continuo de forma prática nos sobrevôos ou de dentro das lagoas, manguezais e baías, vendo a metástase ambiental e suas conseqüências avançando sobre aquilo que nos garante nossa atual mísera qualidade de vida.

O tempo se esgota rapidamente e caberá agora saber se aprendemos alguma coisa com os últimos duzentos anos de degradação ambiental de nossa cidade.

Solução tem, dinheiro também. Basta priorizar e querer fazer.

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . o global

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