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Os sapos da Caatinga

Os sapos da Caatinga: Os sapos do único bioma exclusivamente brasileiro têm adaptações fisiológicas para sobreviver aos meses sem chuva.

Os sapos da Caatinga

16/6/2020 ::  Maria Guimarães / Pesquisa FAPESP.  CC BY-ND 4.0

Quando a chuva desaba no sertão potiguar, a paisagem se modifica subitamente. De um instante a outro rios se formam, lagoas se enchem e do chão brotam centenas de sapos. É assim próximo a Angicos, no centro do Rio Grande do Norte.

Os sapos da caatinga
Pleurodema diplolistris ou P. diplolister (Peters, 1870). by Erlem Fonseca

Ali os sapos Pleurodema diplolistris passam os 10 ou 11 meses anuais de seca enterrados na areia, de onde os machos já emergem cantando em uníssono. Como uma enorme sirene, e logo saltam para a lagoa mais próxima.

Atraídas pela cantoria, as fêmeas escolhem seus pares e liberam dezenas de óvulos que, depois de fecundados, são envoltos num muco semelhante a clara de ovo que o macho bate em neve.

Em um ou no máximo dois meses, quando as chuvas cessam e os rios desaparecem como por um passe de mágica, os sapinhos recém-nascidos precisam estar completamente formados e prontos para se enterrarem na areia.

Sistemática
Sistemática

Entender como esses anfíbios resistem a tanto tempo sem água e sem alimento tem sido um dos enigmas explorados pelos fisiologistas Carlos Navas, da Universidade de São Paulo (USP), e José Eduardo Carvalho, do campus de Diadema da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Durante todo o período em que não chove os Pleurodema se mantêm enterrados e sem comer, em estivação – o correspondente no verão à hibernação, em que animais passam o inverno inativos.

Na enxurrada seca

Entender os processos fisiológicos que tornam esse feito possível é o ponto de encontro dos projetos coordenados pelos dois pesquisadores. O de Navas, que une fisiologia e conservação no contexto de mudanças do clima, e o de Carvalho, sobre fisiologia comparada de répteis e anfíbios, no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Fisiologia Comparada, ambos com financiamento da FAPESP.

anfibios
Universo dos Anfíbios

“Na estivação, a inatividade acontece quando o ambiente não favorece”, explica Carvalho, “quando a temperatura está alta, o metabolismo dos animais costuma ficar mais rápido, e não o contrário”.

Em busca de reunir o conhecimento sobre aspectos diversos – como a atividade dos genes, os efeitos nos músculos e o que se vê no registro fóssil – em animais diferentes – de esponjas a mamíferos –, os dois pesquisadores editaram o livro Aestivation: molecular and physiological aspects, com autores de vários países, publicado este ano pela editora internacional Springer.

“A síntese de cada capítulo pode nos ajudar a traçar quais são os mecanismos comuns a grupos diferentes”, diz Navas.

Mesmo com essa reunião de trabalhos, ainda não há um consenso que defina a estivação em termos ecológicos e fisiológicos. Talvez nunca haja, visto que cada organismo adota um conjunto próprio de soluções para as dificuldades impostas pelo ambiente.

Enterrados na areia

O caso dos anfíbios, incluindo resultados da pesquisa paulista, está exposto no capítulo do livro escrito por Carvalho, Navas e Isabel Cristina Pereira, cujo mestrado foi orientado por ambos.

Eles verificaram que Pleurodema não entra num estado de torpor tão pronunciado quanto espécies estudadas em outros países: esses sapos ficam enterrados na areia de olhos abertos e, quando encontrados, saem pulando de imediato. “É um estado de depressão fisiológica moderado”, define Carvalho.

Além disso, o grupo liderado por Carlos Jared, do Instituto Butantan, já observara que esse anfíbio da Caa­tinga não forma casulos.

Em um mês de preparação para a seca, o sapo australiano Neobatrachus aquilonius secreta 45 camadas de pele que formam um invólucro como uma massa mil-folhas; Scaphiopus couchii, de desertos norte-americanos, demora cerca de quatro horas para sair da dormência, quando perturbado.

Artigo científico

CARVALHO, J. E. et alEnergy and water in aestivating amphibiansInAestivation. Car­valho, J. E. e Navas, C. A., eds. p. 141-169. 2010.

Fonte: Revista FapespNa enxurrada seca

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