ecologia

Sustentando o desenvolvimento?

O termo "desenvolvimento sustentável" é um dos mais falados e famosos atualmente. Entretanto, este termo que vem da mistura entre ecologia e economia possui alguns sérios problemas, que examinarei a seguir.
Inicialmente, existe uma confusão entre termos parecidos como crescimento, uso e desenvolvimento sustentáveis. O primeiro é uma contradição e não deve ser usado: nada cresce indefinidamente, nenhum crescimento é perpétuo. O segundo é aplicado somente aos recursos renováveis, que são usados dentro de sua capacidade natural de renovação. O terceiro é relacionado ao aumento da qualidade de vida humana nos limites da capacidade de suporte do ambiente em que o homem se insere.

O último surgiu da preocupação mundial crescente com o rápido declínio da qualidade de vida acompanhado e interligado ao aumento desenfreado da destruição ambiental. Então, a sociedade começou a pensar que poderia existir alguma maneira de conciliar crescimento econômico e conservação do meio ambiente. Para examinar esta questão mais a fundo, precisamos entender em que consiste exatamente este "crescimento econômico".

Resumindo, ele está baseado no lucro dos negócios, os quais devem crescer a uma taxa maior que a taxa de juros em que foi contraída a dívida, e no crescimento do produto interno bruto (PIB) de cada país. Os juros refletem o quanto se espera que a economia cresça, e ao mesmo tempo obriga a economia a crescer somente dentro dos limites destes juros. Assim, se considerarmos as taxas médias que encontramos histórica e atualmente, seria impossível um crescimento tão elevado durante um longo período de tempo, em um planeta finito como o nosso.

O PIB é um índice que não leva em conta as perdas do patrimônio natural em prol da produção como prejuízo de um país, o que o torna extremamente superestimado e bastante falso, considerando os ganhos reais de riqueza e qualidade de vida para cada pessoa num país. Ainda assim, para se considerar um crescimento real, é preciso que o PIB cresça mais que a população, para haver um ganho de riqueza per capita. E isto não tem sido verificado ultimamente, em particular nos países mais pobres.

 

Portanto, somente por estes dois aspectos, percebe-se que o crescimento econômico em si parece ser uma enganação que estamos todos de acordo em aceitar. Ainda, se a população humana não pára de crescer, e se cada ser humano desejar alcançar o estilo de vida totalmente consumista norte americano, simplesmente não é possível acomodar toda a população no planeta, que iria exaurir-se antes disso. Basta lembrar que os norte americanos representam cerca de 4% da população mundial e consomem cerca de 33% da energia e dos recursos naturais em geral. Por esta lógica, quantidade de pessoas e qualidade de vida são antagônicos. E esta é a base da crise ecológica que enfrentamos hoje em dia: crescimento populacional + consumo per capita. Desta maneira, um dos lados do termo, o "desenvolvimento", relacionado ao crescimento econômico, é uma grande fantasia.

E o "sustentável"? Bem, para que a população e a economia "cresçam" dentro das capacidades de suporte dos ambientes, e tenhamos assim qualidade de vida, é preciso haver uma profunda reforma na lógica dominante de se produzir e consumir da nossa sociedade ocidental. Qualquer crescimento gerará mais crescimento, não dá para crescer infinitamente e se sustentar neste planeta finito que vivemos. Sendo assim, é impossível conciliar desenvolvimento - crescimento econômico acima do demográfico - e conservação (ou sustentação).

O termo mais famoso que temos hoje em dia, o tal do "desenvolvimento sustentável", me parece então um tanto quanto vazio. E por isto mesmo extremamente perigoso. Meu objetivo neste mês não é discutir quais seriam as soluções para nossas crises ambientais, assunto para fóruns de debate gigantescos, e sim chamar a atenção para o fato de que não devemos nos conformar ou ter a consciência tranqüila toda vez que ouvimos este termo em algum projeto ou empreendimento qualquer. Isto não quer dizer que todas as providências necessárias para preservar a natureza estejam sendo tomadas.

Finalizando, a idéia do desenvolvimento sustentável, apesar de furada e fadada ao fracasso, tem o mérito de poder nos permitir algum ganho de tempo na corrida da conservação do ambiente, em meio à nossa economia atual. Todavia, de maneira nenhuma é solução em longo prazo e não garante qualidade de vida real para as futuras gerações.

Leitura sugerida:
Begon, M., Harper, J. L. & Townsed, C. R. 1996. Ecology: individuals, populations and communities. Blackwell Science, Londres. 1068p.
Fernandez, F. 2000. O poema imperfeito. Editora UFPR. 260pp.

Branca M. O. Medina - branca@biologo.com.br
Bióloga licenciada e bacharel em ecologia pela UFRJ e mestre em ecologia, conservação e manejo da vida silvestre pela UFMG.

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