bocadomangue Mario Moscatelli

PAN 2007 E SEUS DESAFIOS AMBIENTAIS

Circulando pelo complexo lagunar da baixada de Jacarepaguá, nota-se claramente que além das inúmeras placas de obras espalhadas pelo governo do Estado do Rio de Janeiro nas principais vias de circulação da região e das propagandas em horário nobre nas principais emissoras, algumas iniciativas de fato estão se tornando realidades.

Sob o comando da SERLA, três principais ações estão em processo de execução, são elas:


1- Demarcação física das faixas marginais de proteção do sistema lagunar. Importante ação no sentido de indicar claramente em campo quais são as faixas que deverão ser mantidas sem ocupação, aquelas que deverão ser retomadas das ocupações irregulares e mesmo num futuro, não muito distante, as que deverão ser recuperadas ambientalmente;

2- Criação de um novo canal de passagem no interior da extremamente assoreada laguna da Tijuca. A proposta, até onde tenho conhecimento, visa no atual canal existente e bastante assoreado, alargá-lo e aprofundá-lo, visando propiciar melhor escoamento das águas bem como melhor penetração das águas provenientes do oceano;

3- Desobstrução do sistema de canais de drenagem, atualmente completamente comprometidos em sua função do crescimento desordenado de macrófitas aquáticas, que praticamente criaram um tapete contínuo vegetal onde deveria existir circulação de água.
Sob o comando da CEDAE, também o tão esperado saneamento da baixada, vem se materializando segundo observações diretas, por meio das obras que se observam sendo executadas nas Avenidas das Américas e Ayrton Senna.

Tudo lindo e maravilhoso não fossem algumas observações, dúvidas e sugestões. São elas:

1-Espera-se que a demarcação das faixas marginais de proteção, mais do que fundamental, seja acompanhada por um trabalho contínuo de fiscalização das ocupações irregulares que insistem em acontecer em vários pontos não apenas nas lagunas como no sistema de canais, como observável nos canais do Portelo e do Cortado. Desde 1992 quando iniciei trabalhos no sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá, posso contar nos dedos de uma mão, as vezes que encontrei alguma equipe de fiscalização atuando nas lagunas. Na verdade, até hoje se faz praticamente o que se quiser nas lagunas sem qualquer perturbação efetiva do poder público. Já passou da hora de criar-se uma guarda municipal e ou estadual lagunar, com gente preparada tecnicamente e com um mínimo de infra-estrutura (barco, motor, remo e gasolina) para de fato e de forma contínua gerenciar o complexo lagunar;

2-A limpeza dos canais é fundamental para assegurar não apenas a futura possível melhora de chegada de água do oceano para o complexo lagunar, mas também e principalmente assegurar uma drenagem eficiente na região que é caracteristicamente encharcada e em intenso para não dizer descontrolado processo de ocupação e impermeabilização. No entanto em relação à Lagoinha, como já pessoalmente informei ao presidente da SERLA, o aporte de água salgada deve ser devidamente avaliado visto que o ecossistema local é predominantemente de água doce ou levemente salobro. Qualquer alteração mais intensa das condições ambientais associadas à salinidade, pode mesmo com a melhor das boas intenções, provocar desequilíbrios desastrosos para o ecossistema já bastante estressado por esgoto. Acho aconselhável avaliar junto com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, responsável pelo gerenciamento daquela unidade de conservação a melhor ação no sentido da proteção do ecossistema local;

3-A dragagem em curso no encontro das lagunas do Camorim e Tijuca, primeiro passo no longo processo de recuperação daquilo que se transformou por incompetência administrativa e impunidade num dos maiores passivos ambientais de nossa cidade, traz sérias e importantes questões.

3a-Mesmo não sendo a esperada retirada dos estimados seis milhões de metros cúbicos de sedimentos e lixo, acumulados no "fundo" da laguna da Tijuca, o aprofundamento e alargamento do canal de passagem, como já disse, é um primeiro e importante passo. No entanto além de dragar, precisa-se encontrar um local adequado e factível para depositar todo o material dragado, que nesse caso foi selecionado como sendo terreno dominado por Typha domigensis (taboa do brejo) situado entre a Pedra da Panela e o Arroio Fundo. O que preocupa é que a instalação de bidim (tecido que deixa passar a água mas retém o sedimento), só vinha sendo acontecendo no começo do mês de agosto/2004 junto das margens do Arroio Fundo e que até o final da primeira quinzena do mesmo mês, água associada o grande volume de sedimento fino, fruto da dragagem e do aterro hidráulico em processo de criação escorria livremente para dentro do Arroio Fundo. As perguntas são: não deveria ter sido instalada a barreira de bidim, antes do início das atividades de criação do aterro? Esse sedimento fino transportado pela água do aterro hidráulico não gera assoreamento no Arroio?

3b-Outra coisa que me preocupou foi notar o distanciamento reduzido do bota-fora da dragagem, onde está sendo gerado o aterro hidráulico para com a margem do Arroio Fundo.Com peso adicional num sedimento caracteristicamente encharcado e dominado por sedimentos de grande plasticidade a criação do aterro hidráulico não poderá gerar uma resposta de recalque para o interior do Arroio Fundo, gerando comprometimento no escoamento de suas águas? Vem sendo monitorado por inclinômetros ou equipamentos associados à resposta do terreno à criação do aterro? Temos de ter bastante atenção para esses fatos, visto a importância que se reveste o Arroio Fundo, no seu papel de drenagem das águas contaminadas provenientes de Jacarepaguá. Qualquer possível problema de recalque em sua calha, não apenas afetará a drenagem da região como e principalmente da Vila Pan Americana cortada no meio pelo Arroio.

4-O processo de saneamento da baixada de Jacarepaguá continua para mim um enigma. Algumas questões deveriam ser respondidas pela CEDAE, como por exemplo:

4a- Quanta de toda a área da baixada será servida pelo sistema de saneamento na primeira fase de implantação? Quanto isso representa no total da baixada em volume de esgoto lançado criminosamente até hoje nas águas das lagunas?

4b- Em quantas fases o processo de saneamento da baixada está dividido? Qual o cronograma de execução?

4c- Qual é perspectiva (data) de toda a baixada estar servida pela rede de coleta e tratamento do esgoto?

4d- A esperada melhoria de circulação de água no complexo lagunar, através da limpeza dos canais, se não acompanhada de melhoria no serviço de coleta e tratamento de esgoto, não poderá criar na Praia da Macumba, um novo cloacão na boca do canal de Sermabetiba, como já acontece no quebra-mar?

Não tenho dúvida que toda essa tão esperada mobilização em relação ao sistema lagunar tem uma causa: Jogos Pan Americanos.

Não fosse por ele, o respeito em relação à qualidade de vida de todo o cidadão desta cidade que todos os administradores públicos deveriam ter, só se materializaria nos belos e vazios discursos de palanque eleitoral.

Não alimento, a exceção daqueles poucos políticos de sempre, mais nenhuma esperança pela mudança da ótica e ação de nossa doentia classe política, que tem por foco sua manutenção genética perpétua no poder.

Enfim cabe a nós exigirmos o que nos é de direito, assegurado na Constituição e principalmente assegurarmos que estas ações de recuperação no sistema lagunar, usando nosso dinheiro, sejam de fato ações bem conduzidas, bem orquestradas e com um final feliz, não apenas para os futuros palanques ou para aqueles poucos dias dos jogos Pan Americanos, mas o início e contínuo resgate da gigantesca promissória ambiental que o poder público e a sociedade tem para com o último sistema lagunar de nossa cidade. Falando nisso, estou junto com algumas associações de moradores da baixada de Jacarepaguá formando um comitê independente de acompanhamento das obras em andamento no complexo lagunar.

Além de discurso e artigos precisamos nos mexer e fiscalizar, pois afinal quem paga a conta somos sempre nós!

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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