bocadomangue Mario Moscatelli

SEM SAÍDA

Eu tenho acompanhado e vivido os problemas ambientais de lagoas costeiras, manguezais, praias e baías muito de perto, exigindo o cumprimento das leis, exigindo o cumprimento dos acordos e dos respectivos investimentos bem como trabalhando na recuperação e no gerenciamento dos ecossistemas degradados.

Assistindo a todo tipo de calhordice que envolve os licenciamentos ambientais, onde abunda aquela famosa malevolência onde o tempo é infinito e tudo pode esperar, pois “eu não ganho para isso”, tenho podido presenciar tanto de um lado a histeria verde, onde toda e qualquer intervenção humana é considerada perniciosa ao meio ambiente, ou melhor dizendo, aos interesses particulares de cada um como de outro a lentidão criminosa dos que deveriam fiscalizar e atuar na recuperação e pouco fazem.

Exemplos dessa situação são inúmeros, vou contar alguns deles por mim vivenciados:

1- Numa determinada área de manguezal da lagoa de Marapendi completamente degradada por lançamento de resíduos dos mais variados tipos, principalmente de obras, quando consegui com apoio da iniciativa privada inicialmente tirar de 300 metros lineares, 100 toneladas de resíduos, estabilizar taludes, enfim adequar ambientalmente a área para receber as espécies de manguezal, recebi inúmeras visitas de órgãos de fiscalização que movidos por denúncias de moradores queriam saber o motivo de estarmos “destruindo” o manguezal. Pois é, enquanto era um depósito de lixo e entulho, tudo bem, ninguém NUNCA apareceu. Foi colocar a mão para recuperar que apareceram dezenas de experts para denunciar e brecar o trabalho. O pior detalhe é que quem denuncia não é punido por criar/denunciar uma situação que não existe e prejudicar o andamento do serviço. Felizmente a área foi recuperada.

2- Os manguezais do sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá são verdadeiros depósitos de lixo e tudo aquilo quer vocês puderem imaginar. Mais uma vez entramos no sentido de resgatar o gigantesco passivo ambiental, onde até “arqueologia” você acaba fazendo tal o tempo que o lixo vem se depositando nessas áreas. É claro para quem de fato trabalha e conhece os processos que geram o caos ambiental da região, produto da irresponsabilidade gerencial do poder público, é que se precisa atacar ou ao menos estancar as fontes de poluição/degradação que no caso são o aporte constante de resíduos trazidos pelos diários movimentos de maré. Neste sentido criam-se barreiras físicas onde são mantidas aberturas nas mesmas que possibilitam a passagem de quem quiser se arriscar a trabalhar na latrina que o poder público criou na região.

Tudo ia bem, tanto nas cercas como no trabalho de limpeza e recuperação quando vândalos destroçaram as cercas e um volume gigantesco de resíduos e gigogas invadiram as áreas que previamente haviam sido recuperadas. Depois de um tempo, aparece uma denúncia que as cercas estariam impedindo a passagem de pescadores, sendo que nas imagens da reportagem, a embarcação denunciante passa pelas cercas! Coisa Kafkaniana! Finalizando aparece o poder público afirmando que deverão ser removidas as cercas por isso e por aquilo, pela lei tal etc etc. “Tá” tudo ótimo, só faltou dizer por que aquelas áreas de manguezais até o dia em que iniciamos o trabalho de recuperação eram verdadeiros chiqueiros, onde até material hospitalar era facilmente encontrado. Por que as autoridades que agora lembram das leis NUNCA apareceram nos manguezais degradados? Estão duvidando? Pois agora nesse exato momento peguem um barco e vão ver o estado dos manguezais. Eu duvido que, à exceção das áreas onde trabalhamos os mesmos não sejam o reflexo da impunidade e incapacidade gerencial do poder público. Se eu tiro o sistema de cercas, após retirar uma, duas, cinco toneladas de resíduos por dia, amanhã na primeira preamar a área será novamente invadida por lixo, gigogas e todo o resto que puder boiar. E aí eu pergunto às “auturidadis” e experts, quanto tempo vou ficar enxugando gelo? Quanto tempo à iniciativa privada vai ter saco para pagar por um serviço que não vai ter fim?

3- Em outro caso, venho recuperando a margem de um rio, um verdadeiro depósito de lixo, fezes e cadáveres, bem diferente dos ambientes refrigerados que nossas “auturidadis” costumam despachar. Enfim estabiliza talude daqui, tira lixo de lá, monta cerca para proteger os plantios e da outra margem do rio é aquela zona de sempre. A “comunidadi”, a favela, a ocupação subnormal ou a porra de nome que vocês quiserem chamar para aquela zona, diariamente além de ocupar a faixa marginal de proteção integralmente, usa as margens do rio como depósito de lixo em diversos pontos. É até engraçado, para não dizer cômico, isto é, nós do nosso lado cumprindo a risca a lei, limpando e recuperando e do outro aquela casa da mãe Joana. Fiscalização, se existe eu NUNCA vi e assim a vida continua.....

4- Tenho sido responsável nos últimos oito anos pela recuperação da maior área de manguezais da baía de Guanabara, totalizando 200.000 metros quadrados de manguezais recuperados, onde antes havia só lixo e árvores mortas. Enquanto nos esforçamos na ampliação das áreas recuperadas, por um lado madeireiros que usam a madeira de mangue para currais na baía de Guanabara ou para o escoramento de lajes, cortam tranqüilamente o mangue como se fosse a coisa mais normal do mundo. De outro lado caranguejeiros de Magé, destroem parcialmente os plantios visando criar a armadilha de laço, forma completamente predatória visando capturar caranguejos uçá, dentro e fora da época de defeso e finalmente na retaguarda dos manguezais, lixões progressivamente vão engolindo os manguezais, ampliando suas áreas o que no futuro se transformarão em terrenos comerciais ou em novas favelas. Fiscalização eu também NUNCA vi por lá.

5- Finalizando esse artigo, fui dar uma palestra no Clube de Observadores de Aves quando um dos ouvintes de forma democrática afirmou que era contra os manguezais na Lagoa, que não via resultados práticos na sua presença etc, etc. Com muita diplomacia, o que não é de meu feitio, expliquei tudo o que já comentei anteriormente para os leitores da boca do mangue, sobre as referências bibliográficas, sobre as conseqüências na biodiversidade local, dos trabalhos de poda etc, etc. No entanto complementei com a seguinte questão: Qual o motivo que algumas pessoas alimentam tamanha preocupação com o mangue, mas NADA faziam, absolutamente NÃO SE MEXIAM em relação à atuação CRIMINOSA do poder público estadual que através da CEDAE não cumpre os Termos de Ajustes de Conduta e consecutivamente extravasa continuamente esgoto para as águas da Lagoa e praias? Concluo que se os peixes mortos não fedessem as pessoas não se incomodariam com as mortandades e que o lançamento de merda nas águas lagunares poderia se dar de forma OFICIAL onde contribuintes, urubus, ratos e “auturidadis” felizes poderiam usufruir da vista do espelho dágua plastificado por peixes mortos.
Sinto que estou sem saída, não consigo parar de me revoltar com tamanha incapacidade gerencial do poder público, com a rápida perda de qualidade ambiental e qualidade de vida, com a imbecilidade de algumas pessoas que não sabem diferenciar causas de conseqüências, com a passividade diante da politicagem.
Preciso descansar, estou muito p. da vida, mas não vou me render, nunca.

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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