A teia da aranha: Modelo simula como a aranha capta vibrações em sua trama de fios que indicam localização da presa enredada.
A teia da aranha
5/4/2021 :: Igor Zolnerkevic
O pátio interno do prédio do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) abriga um jardim de arbustos.
A sombra e a água fresca do local atraem mosquitos e outros insetos. Vários deles acabam presos em teias de aranhas penduradas em galhos e cantos de paredes do jardim.
“Um dia consegui observar quando uma mosquinha grudou em uma teia com uma aranha parada no centro”, conta Alexandre Kawano, professor do departamento. “A aranha se moveu e apanhou a presa, rápida como um raio.”
A admiração de Kawano pelos reflexos das aranhas só vem aumentando, desde que iniciou, em 2017, uma colaboração com o engenheiro e matemático Antonino Morassi, da Universidade de Udine, na Itália, para entender os princípios físicos fundamentais da propagação de vibrações em teias de aranha, questão não totalmente compreendida.
Teia de algoritmos
Morassi e dois engenheiros espanhóis, Ramón Zaera e Alejandro Soler, da Universidade Carlos III, de Madri, desenvolveram uma representação teórica da mecânica da teia. Com o italiano, o brasileiro criou um algoritmo para reconstruir as forças que agem na teia.
Esses trabalhos sinalizam que pequenas vibrações dos fios são suficientes para a aranha descobrir a localização e o tamanho das presas. “Nossos estudos adotam intervalos de tempo da ordem de 1 milissegundo para que a aranha detecte a presa”, comenta Kawano, que, com apoio da FAPESP, desenvolve pesquisas sobre nanoplacas em colaboração com Antonino. “É mais ou menos o tempo de reação medido em experimentos.”
A partir dessa representação teórica da teia, Kawano e Morassi criaram um modelo matemático para explicar como a aranha detecta e captura a presa. As primeiras conclusões desse trabalho foram publicadas em dezembro de 2019, em artigo no periódico SIAM Journal on Applied Mathematics.
Desde então, Zaera juntou-se à pesquisa da dupla para validar numericamente os resultados e fornecer informações sobre teias reais. Recentemente, a equipe teve um artigo aceito para publicação na edição de abril da revista Mechanical Systems and Signal Processing, no qual tentam explicar como a falta de rigidez nos suportes que sustentam uma teia afeta a transmissão de informação sobre as presas.
Rede de fios interconectados
Kawano explica que estudos anteriores, feitos por outros grupos de pesquisa, tentaram modelar como ondas mecânicas se propagariam pela teia, mas eram simples ou complicados demais para gerar conclusões. A teia de aranha, afinal, é uma rede de fios interconectados que espalham por todos os lados as vibrações inicialmente estimuladas apenas em alguns deles. Modelos mais realistas desenvolvidos nos últimos anos recriaram em computador a geometria exata dessa trama natural.
Eles conseguem reproduzir a contento o movimento dos fios decorrentes de uma rajada de vento e da captura de insetos. Entretanto, como cada configuração diferente de teia resulta em um modelo distinto, essas simulações são de pouca valia para entender o que engenheiros e matemáticos chamam de problema inverso. Nesse tipo de questão matemática, os pesquisadores usam registros de um efeito de um fenômeno para tentar descobrir sua causa. A partir, por exemplo, de medidas do campo gravitacional da Terra, é possível calcular sua densidade.
Teia de informações
No caso da teia de aranha, o problema inverso consiste em determinar o mínimo de dados que uma aranha precisa extrair da estrutura mecânica da trama de fios para obter o mais rápido possível informações úteis sobre sua presa. Foi esse o desafio que interessou tanto a Morassi, estudioso de modelos matemáticos de estruturas, como a Kawano, especialista na matemática de problemas inversos.
“Os trabalhos com teias de aranha nos ajudaram a entender melhor como uma quantidade minúscula de informação pode ser usada para deduzir uma propriedade geral de uma estrutura”, explica o professor da USP. “Temos desenvolvido teorias gerais para identificar forças em estruturas grandes e complexas feitas de placas e vigas, tais como pontes, aviões, navios e plataformas.”
“A modelagem do processo de captura de presas, quando feita com rigor, gera resultados que poderiam ser testados empiricamente”, comenta o biólogo Hilton Japyassú, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em comportamento animal. “Os pesquisadores poderiam expandir ainda mais essa linha de trabalho e estudar a mudança de postura da aranha quando tem fome, situação que a leva a tensionar os fios radiais no eixo mais alongado da teia.”
Aranhas tecedeiras
Em 2017, Japyassú e o biólogo Kevin Laland, da Universidade de St. Andrews, no Reino Unido, propuseram uma teoria controversa sobre a cognição das aranhas tecedeiras, na qual afirmam que a teia não é apenas um instrumento de caça. Segundo a dupla, a mente do aracnídeo consideraria a trama de fios como uma extensão de seus órgãos sensoriais.
Ainda em 1880, o físico inglês Charles Vernon Boys (1855-1944) relatou na revista Nature experimentos em que toca teias de aranha com um pequeno diapasão. Boys notou que o som produzido só chamava a atenção do aracnídeo quando o pequeno instrumento metálico era encostado em sua teia e vibrava em certas frequências. As aranhas chegavam a agarrar o diapasão e tentavam comê-lo. Décadas depois, experimentos mais sofisticados revelaram que as patas das aranhas tecelãs têm órgãos sensíveis a vibrações geradas nos fios da teia com frequências entre 10 e 100 hertz.
Artigos científicos:
KAWANO, A. e MORASSI, A. Detecting a prey in a spider orb web. SIAM Journal on Applied Mathematics. v. 79, n. 6. 12 dez. 2019.
KAWANO, A. et al. The prey’s catching problem in an elastically supported spider orb-web. Mechanical Systems and Signal Processing. v. 151. abr. 2021. No prelo.