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Abelhas sem ferrão como polinizadores

Abelhas sem ferrão como polinizadores: inspirados por experimentos com abelhas-africanas, brasileiros querem treinar insetos nativos para aumentar a produção da matéria-prima do chocolate.

Abelhas sem ferrão como polinizadores

18/10/2024 ::  por Letícia Naísa /Revista Pesquisa Fapesp

Pequenas e frágeis, as flores de cacau são polinizadas manualmente por produtores rurais em várias plantações pelo Brasil. Durante o processo, é preciso pegar cuidadosamente uma das flores, coletar o pólen, com ajuda de uma pinça ou de um pincel, e aproximar da parte reprodutora feminina de outra planta. O procedimento deve ser feito pela manhã, quando a fertilidade das flores está no auge. Nesse processo, flores podem cair e outras não serem fecundadas. Por isso, investir em um polinizador profissional pode ser a chave para garantir melhores resultados.

“A polinização manual é bastante trabalhosa e tem um custo elevado, então tivemos a ideia de estudar abelhas, que são polinizadoras viáveis para o tamanho das flores de cacau”, comenta a bióloga Camila Maia, pesquisadora em estágio de pós-doutorado na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Ela e outros especialistas da USP e do Instituto Tecnológico Vale (ITV) Desenvolvimento Sustentável, em Belém, planejam “adestrar” abelhas brasileiras sem-ferrão para polinizar as flores do cacau. Entre as mais de 180 espécies que existem na região amazônica, onde a planta é cultivada, 52 têm o tamanho ideal para serem polinizadoras, de acordo com um estudo publicado em agosto na revista Frontiers in Bee Science.

abelha mamangava


Polinização manual ou natural?

A polinização manual exige técnica e paciência. O agricultor a usa pela eficiência: o método pode triplicar a produção do cacau onde é feita, quando comparado a plantios sem intervenção humana. Esse aumento foi observado pelo biólogo mexicano Manuel Toledo-Hernández, estudante de pós-doutorado na Universidade Westlake, na China, e publicado em outubro de 2023 na revista Agriculture, Ecosystems & Environment. A expectativa dos pesquisadores é de que a polinização assistida feita por abelhas treinadas aumente o cultivo de forma significativa.

Moscas das famílias Ceratopogonidae e Cecidomyiidae são consideradas as principais polinizadoras do cacau, com base em registros desses insetos visitando as flores. Com cerca de 3 milímetros (mm) de comprimento, aproximadamente cinco vezes menores que as flores do cacau, elas conseguem chegar aos órgãos reprodutores inacessíveis a insetos maiores.

A vida das abelhas
A vida das abelhas

Segundo o botânico José Rubens Pirani, do Instituto de Biociências (IB) da USP, sabe-se muito pouco sobre a polinização natural das flores de cacau, quando se compara com estudos sobre outras espécies frutíferas brasileiras. A dificuldade acontece justamente por conta do tamanho das flores, que têm entre 10 e 15 mm de diâmetro.

Desafios

“É desafiador porque, além de pequena, a flor do cacau tem uma estrutura arquitetônica muito complexa”, comenta o pesquisador, que não está envolvido no estudo publicado na Frontiers. Os órgãos reprodutores dessas flores estão protegidos por estruturas que atuam como barreiras e dificultam a chegada de polinizadores tanto até o pólen quanto ao estigma, que conduz aos ovários.

“Alguns estudos já observaram que esses insetos carregam muito pouco pólen quando visitam as flores de cacau”, afirma a bióloga Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca, da USP, coautora do estudo e referência no estudo de abelhas. Outra limitação das moscas diz respeito aos seus hábitos. “São mais ativas à noite e ao amanhecer, enquanto as abelhas trabalham durante o dia, principalmente de manhã”, comenta o biólogo Michael Hrncir, do Laboratório de Fisiologia Ambiental de Abelhas do IB-USP, outro coautor. “A parte feminina das flores têm sua fertilidade máxima pela manhã, até a hora do almoço.”

Segundo o pesquisador, as abelhas são atraídas para as flores pelo cheiro. “A ideia é treiná-las, associando o perfume da flor do cacau a uma recompensa para que elas busquem o pólen e fertilizem outras plantas”, explica Hrncir. “Não basta colocar as abelhas onde está o cacau, é preciso ensiná-las a trabalhar ali.”

A ideia de cooptá-las para incrementar a produtividade do cacau é inspirada em exemplos que já existem de treinamento de abelhas-africanas com ferrão (Apis mellifera). Na Argentina, o biólogo Walter Farina, da Universidade de Buenos Aires, apresentou em 2022 na revista Scientific Reports resultados positivos de polinização assistida em plantações de maçãs e peras. No Brasil, há aplicações similares em cultivos de soja, diz Imperatriz-Fonseca. O grupo espera pôr em prática o treinamento das abelhas nas plantações de cacau em breve.

Jataí-amarela (Tetragonisca angustula) . foto Letícia Smania Donanzan
Incerteza

Para Pirani, há muito trabalho pela frente. “Não existe comprovação de que elas atuarão efetivamente como polinizadoras; o fato de as abelhas visitarem as flores não garante que elas depositarão o pólen na parte feminina da flor e que isso vai gerar fecundação e produção de frutos”, pondera. “É uma linha de trabalho desafiadora, por ser muito complexa.”

Imperatriz-Fonseca é otimista: “Tem muita chance de dar certo”. Outra vantagem do projeto, segundo ela, diz respeito à adaptação às novas condições impostas pela crise climática. “No futuro, a polinização será assistida em boa parte dos cultivos, porque o impacto do clima sobre a distribuição de abelhas é tão grande que o número de espécies vai diminuir”, afirma. “Essas menores terão mais chance de aguentar o calor porque seu sistema de termorregulação é diferente daquele das abelhas maiores, essenciais na produtividade de muitas plantas usadas como alimento.”

Artigos científicos

MAIA-SILVA, C. et alSmall Amazonian stingless bees: An opportunity for targeted cocoa pollinationFrontiers in Bee Science. On-line. 1º ago. 2024.
TOLEDO-HERNÁNDEZ, M. et alHand pollination under shade trees triples cocoa yield in Brazil’s agroforestsAgriculture, Ecosystems & Environment. On-line. 1º out. 2023.
FARINA, W. M. et alIn-hive learning of specific mimic odours as a tool to enhance honey bee foraging and pollination activities in pear and apple cropsScience Reports. On-line. 28 nov. 2022.

fonte: Pesquisadores planejam adestrar abelhas-sem-ferrão para polinizar cacau – revistapesquisa.fapesp.br/ CC BY-ND 4.0

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