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Novas espécies de peixe em Noronha

Novas espécies de peixe em Noronha: Expedição científica descobre quatro novas espécies de peixe em Fernando de Noronha

Pesquisadores exploraram o arquipélago mais famoso do Brasil por 17 dias, utilizando drones submarinos e equipamentos de mergulho de última geração para fazer os registros.

Novas espécies de peixe em Noronha

08/1/2021 ::  Por Josué Fontana

Uma expedição marítima realizada por cientistas brasileiros e norte-americanos no arquipélago de Fernando de Noronha (PE) resultou na descoberta de ao menos quatro novas espécies de peixes, exclusivas do litoral brasileiro.

ROV - Expedição científica descobre quatro novas espécies de peixe em Fernando de Noronha
ROV: tecnologia de ponta usada pelos pesquisadores na expedição. (by Cristian Dimitrius)

Liderada pela Associação Ambiental Voz da Natureza, com patrocínio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, o trabalho ocorreu em duas etapas. Na primeira, a equipe ficou embarcada por 17 dias realizando a exploração em águas profundas.

Na sequência, foram mais de 12 meses de dedicação à taxonomia das espécies, comparando características morfológicas com centenas de outros peixes para comprovar se tratar de animais inéditos para a ciência. Além das quatro descobertas, outras 15 espécies foram registradas pela primeira vez na região.

Foram descobertas uma nova espécie de peixe gobídeo (Psilotris sp.), de peixe-pedra (Scorpaena sp.), de peixe-lagarto (Synodus sp.) e de peixe-afrodite (Tosanoides sp.).

O peixe-pedra é uma espécie tipicamente venenosa, que se camufla no ambiente recifal como mecanismo de sobrevivência. O peixe-lagarto, por sua vez, também se camufla e fica praticamente imóvel à espera de indivíduos menores para abocanhar. Os novos gobídeos pertencem a um gênero raro, são pequenos e se alimentam de microrganismos, zooplanctons e microinvertebrados. Já o novo peixe-afrodite é apenas o segundo do gênero descoberto no Oceano Atlântico. O primeiro também foi encontrado no Brasil, em 2018, no Arquipélago de São Pedro e São Paulo. O estudo com os resultados da expedição foi publicado neste mês na revista científica Neotropical Ichthyology.

Os recifes profundos

De acordo com o pesquisador da Voz da Natureza e da Academia de Ciências da Califórnia, Hudson Pinheiro, que chefiou a equipe, o objetivo principal da exploração foi investigar um dos ambientes mais desconhecidos da ciência: os recifes profundos. Para isso, tiveram tecnologias de ponta como aliada para descer a 140 metros abaixo da superfície e observar a biodiversidade local. “Pudemos entender melhor os ecossistemas profundos da ilha, o seu estado de preservação, as ameaças e a relação entre a biodiversidade do fundo e do raso”, explica Pinheiro, que também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).

Novas espécies de peixe em Noronha
Psilotris sp. (by Luiz A Rocha).

A expedição permitiu a caracterização dos ambientes profundos de Noronha, uma região sobre a qual ainda se sabe muito pouco. Pela primeira vez, por exemplo, cientistas mergulharam nas paredes externas do arquipélago e na quebra da plataforma (uma mudança brusca na profundidade e relevo do oceano), atravessando termoclinas, que são fronteiras entre diferentes massas d’água, com temperatura e salinidade bastante distintas.

Em profundidades de 115 metros, os pesquisadores encontraram águas geladas, de até 13 °C, com uma biodiversidade completamente diferente daquela de água rasa. “Cerca de 50% das espécies que nós encontramos lá no fundo são registros novos para o arquipélago”, informa Pinheiro.

Novas espécies

Além das quatro espécies novas – nunca vistas anteriormente e não descritas pela ciência –, outras quatro estão em análise pelos cientistas, podendo também constituir descobertas inéditas. “Encontramos detalhes, diferenças de coloração e morfologia que nos chamaram a atenção”, diz o pesquisador João Luiz Gasparini, ressaltando que “o isolamento do arquipélago promove a evolução dos peixes de forma distinta ao que acontece no continente, formando espécies endêmicas, que só existem na região mais profunda”.

Chromis scotti - peixe
Chromis scotti. by Luiz A Rocha

O ROV também foi usado para a exploração pretérita, quando os cientistas primeiro lançam o robô para investigar os ambientes para depois os mergulhadores técnicos entrarem na água. “Investigamos a parede abaixo da quebra da plataforma até 140 metros, o que possibilitou encontrar habitats fascinantes, repletos de corais negros e cavernas, locais propícios para nossos estudos ecológicos”, adiciona Teixeira.

A expedição científica também contou com uma metodologia conhecida como BRUVS, que são sistemas de filmagens subaquáticas remotas com iscas de atração. “Nossos vídeos revelaram uma altíssima abundância de predadores de topo de cadeia, uma enorme quantidade de tubarões, incluindo espécies ameaçadas de extinção”, detalha o pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Caio Pimentel.

Outra tecnologia aplicada pelos expedicionários e que raramente é usada no Brasil foram os chamados rebreathers. O equipamento permite filtrar o dióxido de carbono exalado pelos mergulhadores e reutilizá-lo após uma mistura com oxigênio e outros gases. Nesse caso, foi usado o TRIMIX, que também contém nitrogênio e hélio. Isso permite que os cientistas fiquem mais tempo submersos, entre cinco e seis horas, e alcancem profundidades bem maiores. Além disso, o equipamento não libera bolhas, o que ajuda a não afugentar os peixes.

Desenvolvimento sustentável e conservação marinha

Cacimba do Padre

Uma situação que preocupou os pesquisadores são os resquícios de linhas de pesca e cabos de embarcações avistados nos recifes profundos do arquipélago, evidências da existência de atividade pesqueira, com impacto sobre os recifes.

Com a área rasa protegida pelo Parque, restam os recifes profundos para serem utilizados pelos pescadores. Entretanto, o desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira, inclusive para a preservação de espécies comerciais, exige que esses ambientes sejam manejados de forma adequada. “Como o arquipélago é isolado do continente, as populações de espécies locais são normalmente responsáveis pela própria manutenção do estoque pesqueiro”, ou seja, “uma vez que estão sobre-explorados, restam poucos indivíduos para reprodução e manutenção do recurso comercialmente viável”, explica Luiz Rocha, da Academia de Ciências da Califórnia (EUA). “Se você tira os indivíduos adultos, não há reposição”, alerta Pinheiro.

Liberação da pesca de sardinhas
Fernando de Noronha busca reconhecimento da Unesco
Baia dos Porcos, Noronha. by José Martins

Por causa disso, Pinheiro chama atenção para a liberação da pesca de sardinhas na área do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, conforme decidiu o governo federal no final de outubro deste ano. As sardinhas são a base da cadeia alimentar de muitas espécies, especialmente peixes grandes. “A sardinha vive em agregação e possui um ciclo de vida rápido. Se você faz uma sobre-exploração e tira mais indivíduos do que a população precisa para se reproduzir, ela acaba.

Por isso existem vários casos de colapso das populações de sardinha em todo mundo. É um precedente inacreditável você poder entrar num Parque Nacional para pescar. É inaceitável. Os pescadores já têm a parte fora do parque, a Área de Proteção Ambiental (APA) para pescar, e eles também vivem do turismo e de outras fontes de renda mais sustentáveis. A sardinha é a base da cadeia alimentar, seu desaparecimento pode resultar no colapso de toda teia trófica da ilha, incluindo da própria pesca de recursos locais.”

O ideal, de acordo com os pesquisadores, é que uma parte dos recifes profundos seja transformada em área de criação de pescado, onde os peixes possam se reproduzir em segurança e, assim, manter os estoques saudáveis para serem utilizados no restante da ilha. O desafio dos cientistas agora é trabalhar com os gestores ambientais e pescadores, buscando estratégias de desenvolvimento sustentável e conservação marinha no arquipélago de Fernando de Noronha.

Sobre a Rede de Especialistas

A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior que trazem ao trabalho que desenvolvem a importância da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade. São juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas, professores universitários – de referência nacional e internacional – que se voluntariaram para serem porta-vozes da natureza, dando entrevistas, trazendo novas perspectivas, gerando conteúdo e enriquecendo informações de reportagens das mais diversas editorias. Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Os pronunciamentos e artigos dos membros da Rede refletem exclusivamente a opinião dos respectivos autores. Acesse o Guia de Fontes em www.fundacaogrupoboticario.org.br

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