O motivo das ameaças e perseguições era apenas por estar aplicando a lei ambiental que protegia integralmente os manguezais. Só que em Angra, a legislação ambiental era um conto de fadas, ou melhor, de terror para os pobres manguezais que eram aterrados na cara de pau por qualquer um, até com licença dos tais órgãos ambientais.
Era uma patifaria generalizada e aí apareci eu, com meus vinte e poucos anos com um pequeno grupo de malucos, constituído pelo Fernando Grande e pelo Paulo Sevalho, que resolveu aplicar a lei. O resultado não poderia ter sido outro. Ameaça, ameaça e um terror danado de morrer, mesmo sendo o mocinho da história. Pelo menos, era o que eu pensava!
Em outubro naquela tarde de 1989, eu em cima da moto, fiquei circulando por Ipanema, Leblon, Copa, até que cheguei na Lagoa e fiquei pensando no que eu iria fazer. Cair fora de Angra, ir trabalhar com os amigos Romero e Renato numa área completamente diferente da minha ou continuar encarando aquele bando de bandidos disfarçados de empresários e funcionários públicos? Bom, enquanto eu olhava para o espelho d'água da Lagoa, observei uns velhos conhecidos, a grama de mangue (Paspalum vaginatum), conchas de unha de velho (Tagelus plebeius), e lá no fundo um pulo de uma tainha (Mugil brasiliensis). Caiu a ficha. A água devia ser salobra e se era salobra deveria ter tido mangue naquela lagoa algum dia.
Voltei para Angra com medo, mas essa é outra história.
Entre as confusões de Angra fui pesquisar a história ambiental da Lagoa e descobri que realmente havia a presença de mangue na Lagoa no início do século XX. Daí eu já tinha uma idéia que martelava minha cabeça. Lá em Angra, mais uma vez ela, os bandidos que degradavam os manguezais afirmavam muitas vezes com o apoio de técnicos dos órgãos ambientais que os manguezais degradados não podiam ser recuperados. Mas pesquisando, descobri que com manguezal dava para fazer o que Cristo fez com Lázaro. Dadas as condições necessárias o ecossistema ressurgiria. Lá em Angra, estava perigoso encarar as áreas degradadas sozinho, perigando de tomar um tiro de graça, mas na Lagoa tudo seria diferente!
Pobre ilusão!
Pois bem, naquela manhã de outubro, com umas mudas de mangue branco, coletadas no meio de um aterro da Gamboa em Angra, fui para a Lagoa com as “moças”, pá de bico, fita crepe e trena. Eram 15 das 4.500 mudas que eu iria plantar nos anos seguintes, boa parte transportadas no carro de meu pai que acabou se transformando no mangue-móvel, que em outras tantas coletas resgataria mudas de mangue provenientes de áreas que hoje são ocupadas por aterros, casas etc em diversos pontos da região metropolitana.
Hoje paro e penso, diante do laptop, quantos momentos de angústia, alegria, tristeza, desespero e luta aquelas moças presenciaram nesses vinte anos. Mortandades de peixes, denúncias do esgoto, mobilizações, matérias com jornais, e emissoras de TV, brigas políticas de todas as magnitudes, abraços, enfim muita coisa mesmo. Quantos momentos passam em minha cabeça nesse momento.
Na Lagoa reencontrei Lucia, chorei a morte de minha mãe e de meu pai, comemorei o nascimento de Carolina e Giovanna, soltei centenas de caranguejos e admirei o retorno de tantas espécies de aves e caranguejos.
Pois é, olho para as “meninas” que hoje fazem vinte anos, fortes e acompanho o nascimento de minhas netas e tataranetas, em plântulas de mangues vermelho, negro e branco e tantos outros frangos d'água, caranguejos marinheiros e todos os demais inquilinos que vivem nos manguezais que plantei.
Durante o susto do linfoma, pedi ajuda aos mangues e a Lagoa, ao retorno de cada quimioterapia. Fui atendido e hoje parto para novas recuperações, multiplicando o que aprendi na Lagoa, minha boa companheira de tanto tempo. |
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