início bocadomangue Mario Moscatelli

APOCALIPSE NOW – 6 DE ABRIL DE 2010

Estou sentado agradavelmente em casa, escrevendo essas linhas ouvindo as notícias  pelo rádio que me relatam a tragédia que se abate sobre minha cidade. Enquanto isso as chuvas varrem a baixada de Jacarepaguá bem como toda a região metropolitana. A última avaliação é de 82 mortos (15:30), 89 (16:38), 93 (17:15), 119 (17:50 – 7/04/2010) e milhares de desabrigados na região metropolitana, mas tenho a triste certeza que mais pessoas estão soterradas nesse exato momento e provavelmente tantas outras ainda poderão morrer enquanto as chuvas continuarem desabando sobre a cidade.

Estive na terça de manhã nas lagoas da Tijuca e Camorim. As mesmas se transformaram em depósitos gigantescos de saibro e lixo. Suas águas completamente tomadas por sedimentos e resíduos, tendo seu nível alcançando 170 cm acima da média. A mancha marrom do interior das lagoas avança sobre o mar da Barra criando um incrível contraste.

São 283,8 mm (Rocinha) de chuva até a terça de manhã, isto é, 280 litros de água por metro quadrado e continua a chuva lá fora.

Penso nas tragédias que constatei em Angra dos Reis no início de 2010. Nos escorregamentos gigantescos na Ilha Grande e no centro da cidade, onde dezenas de vidas foram dizimadas na noite de ano novo.

As causas são melancolicamente as mesmas de sempre. Se não indicar onde é, tanto faz ser em Angra dos Reis, Teresópolis, Rio de Janeiro, pois a bábarie ambiental é a mesma. A incompetência administrativa, o dedo podre do eleitor, a certeza da impunidade, enfim tudo aquilo que canso em esbravejar em todos os artigos escritos em todos esses anos.

Não tem adiantado todos os alertas emitidos das mais variadas formas por cientistas também das mais variadas especializações. Não adianta, pois a sociedade está emburrecida e a classe política não está nem aí a não ser para seus projetos políticos pessoais.

Quando você  pensa que se livrou de um ou de uma infeliz que tenha sentado em determinado cargo eletivo de comando onde fez o maior estrago possível e imaginável em seu estado e cidade, lá está o cidadão ou a cidadã aparecendo apoiando pré-candidato(a) à presidência ou querendo ser senador(a), pois ninguém quer soltar o osso. Além disso, já tem parente se fazendo na vida política aqui e acolá num verdadeiro inferno sem fim, pois essas são criaturas que são eleitas por votos da sociedade.

Diante disso acabo não vendo muita saída.

Nossas vidas vão pagar o preço de nossa irresponsabilidade e cabe a cada um tomar as respectivas providências para salvar o que puder e quem quiser ser salvo.

O futuro chegou e da forma mais amarga e mais do que previsível possível. Lembro claramente dando aulas de gerenciamento de ecossistemas, quando eu apresentava em 2002 “cenários futuros possíveis” a respeito das mudanças climáticas. E aqui estou em 2010 vendo tudo em cores e ao vivo.

Infelizmente tenho a amarga certeza que após essa tragédia toda, como a que se abateu recentemente em Angra dos Reis, tudo vai voltar a normalidade, ou seja, ocupações desordenadas, cortes de mata, completa ausência de políticas públicas e tudo aquilo que vemos e não vemos desde que nascemos.

Não tem remédio doce não para determinados males. Quem ocupou áreas de risco, ambientalmente protegidas ou sob qualquer ponto de vista urbanístico de forma ilegal, tem que ser desocupado. Além disso, para as pessoas deslocadas, devem ser criadas condições de realojamento para locais adequados e com transporte. Aí é que está o problema. Para isso acontecer deve existir a tal vontade política de um tipo de gente que mais do que3 geralmente não sente remorsos, que mente, rouba, superfatura, enfim faz o cacete com os recursos públicos e aí de quem fugir da regra.

O ano de 2016 é apenas uma data limite que impus a mim próprio. Se não conseguirmos em minha cidade revertermos toda essa degradação acumulada principalmente nos últimos 200 anos, estou pensando em migrar da mesma forma que fizeram meus amigos guarás dos manguezais degradados.

E continua chovendo sem parar.....

A CATÁSTROFE CONTINUA – SEGUNDO TEMPO

Pois bem, visando relatar diretamente o que acontece na cidade do Rio de Janeiro, peguei o Robinson 22 e lá fui eu sobrevoar minha cidade.

Como anteriormente previsto em vários outros artigos, a baixada de Jacarepaguá submergiu. Tem água por todo lado, até porque como pontos de escoamento para toda a baixada e para os dois maciços, da Pedra Branca e da Tijuca temos apenas o canal de Sernambetiba devidamente assoreado e a lagoa da Tijuca com seus mais de seis milhões de metros cúbicos de sedimentos e lixo. Além disso, toda a bacia hidrográfica está completamente sucateada por assoreamento, por ocupações ilegais em suas faixas marginais de proteção, por desmatamentos nas encostas, enfim por tudo que nunca poderia ter sido mais uma vez repetido no que sobrou da cidade.

Favelas, loteamentos de classe média, média alta, centenas de carros, campos do Zico, tudo debaixo dágua em Vargem Grande e Vargem Pequena.

Para piorar, ilhas gigantes de gigogas funcionam como tampões na ligação das lagoas de Jacarepaguá e Camorim dificultando a drenagem. Uma mancha marrom gigantesca tomando do Quebra-mar até as ilhas Cagarras em Ipanema, proveniente do sistema lagunar invadindo a praia da Barra vai até os domínios de Ipanema e Leblon.

APOCALIPSE NOW
"Se não conseguirmos em minha cidade revertermos toda essa degradação acumulada principalmente nos últimos 200 anos..."

Na lagoa Rodrigo de Freitas apesar do dilúvio e da quantidade de sedimentos que tomaram conta de suas águas, “incrivelmente” não morreram peixes até o momento (18:00 – 07/04/2010) em conseqüência das terríveis algas tóxicas . Esquisito.....

Quando você  percorre o maciço da Tijuca em seus diversos trechos dominados por favelas, que resolveram da sua forma o problema habitacional da cidade, chega-se a conclusão que até que tem morrido pouca gente diante da suruba ambiental que se instalou no vale tudo habitacional.

É mais do que comum, quase chato ver a quantidade de barracos de alvenaria subindo na zona sul, norte, oeste, enfim por onde você olhar a suruba ambiental estará lá.

O sistema viário está por um fiozinho de nada, pois dezenas de barreiras estão a beira de desabar nas principais artérias de circulação. Não bastasse isso, em frente a Vila Pan Americana, em obra efetuada pela prefeitura na fatídica gestão passada, criou-se um bolsão de água que paralisa completamente a linha Amarela, outra importante artéria da região. Detalhe: isso já é problema desde o primeiro dia que finalizaram a maldita obra há dois anos e ninguém até hoje tomou qualquer providência!

Chega a ser cômico ouvir o senhor presidente cefalópode colocar a culpa nos gestores públicos do passado, quando ele mesmo já faz parte desse passado irresponsável de falta de prioridade em políticas públicas de saneamento, habitação, transporte e todo o resto que a metrópole cobra e não oferece nada em troca!

Enquanto contam-se os mortos, os administradores públicos de uma forma geral colocam a culpa na população e nas gestões passadas, dizendo que daqui para frente vai ser diferente. Pois eu duvido!

Visto que para reverter essa zona toda serão precisos:

1-VERGONHA NA CARA

2-CONTINUIDADE NAS POLÍTICAS INICIADAS POR PELO MENOS 20 ANOS

3-PRESSÃO DA SOCIEDADE

4-RECURSOS ABUNDANTES E VONTADE POLÍTICA

Enfim, acho que não temos nenhum desses pré-requisitos e mais do que isso, continuamos colhendo o que a cada eleição plantamos.

Se alguém ainda tem paciência, visitem o relatório fotográfico em anexo, onde se vê o resultado da IMPUNIDADE em todos os sentidos.

E pensar que há menos de quatro meses, eu escrevia coisas semelhantes de Angra dos Reis.

Mario Moscatelli – Biólogo – Professor de Gerenciamento de Ecossistemas do Centro Universitário da Cidade e executor do projeto OLHOVERDE

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