Seja nas baías de Guanabara, Sepetiba ou no sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá, nos rios Irajá, São João de Meriti, Farias, Jacaré, Sarapuí-Iguaçú, Fundo, Piraquê-Cabuçú, Flecha, Pavuna, Pavuninha, Maracanã, Comprido, Pedras, Anil, tudo que possa depender de oxigênio está morto, naqueles valões apodrecidos, produzindo metano e gás sulfídrico noite e dia, exportando sua degradação para baías, praias e lagoas.
Provavelmente por estar saturada de tanta degradação, Iemanjá ordena diariamente às suas águas, que joguem todos os detritos humanos e não humanos para dentro dos manguezais, onde acabam se acumulando indefinidamente, transformando essas fábricas de vida em cemitérios.
Nas lagoas da baixada de Jacarepaguá, também não é muito diferente, apesar de nunca ter visto qualquer corpo por aquelas paragens. No entanto lixo doméstico, hospitalar, móveis, geladeiras e centenas de pneus, eu tenho podido encontrar sem parar na triste sina dessa abandonada lagoa numa das regiões mais nobres de nossa cidade. Nessa mesma lagoa repousam seis milhões de metros cúbicos de lama e lixo e a cada novo temporal, sabe-se lá mais quantas toneladas de sedimento e lixo se somam aos já existentes. Quando a maré escoa pelo quebra-mar, carregando para a praia os milhares de metros cúbicos de esgoto lançados no sistema lagunar, a lagoa da Tijuca se transforma num canal raso e pútrido, cercado por ilhas de lama e lixo exalando metano.
Sobrevoando a Cidade do Rio de Janeiro, aquela que sediará nada menos do que quatro eventos internacionais nos próximos seis anos, o quadro de bábarie ambiental visto de baixo se multiplica quando visto de cima.
Favelas sem fim, sem infra-estrutura, sem perspectiva de uma política habitacional e de saneamento de médio à longo prazo. Uma terra arrasada, por esgoto, lixo e ocupação desordenada e impunidade.
Do lixão vertical do Pavão-Pavãozinho com vista privilegiada da praia de Copacabana, joga-se de tudo lá do alto do morro em direção ao precipício sem fim de nossa falta de vergonha.
Seja onde for, na zona sul, norte ou oeste, o esgoto jorra sem parar, reclamando seus direitos sobre a qualidade da água, transformada em mingau, mingau de caca, que se espalha por boa parte das águas e areias de minha cidade. A Marina da Glória virou “Cloaca da Glória” visto o volume colossal de esgoto que jorra dia e noite, durante o ano inteiro pela galeria de águas pluviais que não parece querer dar trégua. A estação do rio Carioca não dá conta de tanto esgoto desviado para aquele rio e conseqüentemente o tratamento acaba ficando prejudicado e o que não é tratado acaba mais uma vez adubando as águas da baía.
Após cada sobrevôo, apesar de ter visto avanços no rio Sarapuí em fevereiro passado, onde os serviços de dragagem vem desassoreando aquele valão de fezes e lixo bem como no canal do Fundão que aos poucos também vai sendo desassoreado, sinto nitidamente que o monstro da bábarie ambiental está solto por toda parte, trabalhando sem parar, cobrando o preço por tantos anos de irresponsabilidade dos gestores públicos e da sociedade omissa.
Se por um lado nesses últimos quatro anos avançou-se em algumas áreas, como no caso da intensificação dos investimentos em saneamento em nosso estado e na presença de gente comprometida de fato no comando dos órgãos ambientais, o monstruoso passivo ambiental gerado pelo vazio de políticas públicas nas áreas de habitação e transporte, continua dilapidando os recursos naturais ainda existentes, sem falar nas unidades de conservação de papel que ainda vão demorar muito para alcançar na vida real seus objetivos. |

"Seja onde for, na zona sul, norte ou oeste, o esgoto jorra sem parar, reclamando seus direitos sobre a qualidade da água".
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