Vários foram os imbróglios os quais presenciei e denunciei.
1-A inundação da Lagoa: Em 1996, depois de uma noite de chuvas torrenciais, que acompanhei ao vivo das margens da Lagoa, na manhã seguinte, boa parte das pistas do entorno da Lagoa e o Parque do Cantagalo estavam debaixo dágua. Um verdadeiro nó aconteceu no trânsito da cidade. As autoridades de plantão alegavam que as chuvas noturnas haviam caído durante a maré cheia e, portanto a culpa era de Iemanjá! Rapidamente peguei a tábua de marés e constatei que o problema não era com Iemanjá, pois na hora das chuvas a maré, muito pelo contrário estava baixa. Em seguida fui até a boca do canal do Jardim de Alah e constatei que o mesmo estava bloqueado por areia, funcionando como um verdadeiro dique para as águas da Lagoa, bem como as máquinas que deveriam estar trabalhando para desobstruí-lo continuavam adormecidas. Moral da história, depois de denunciada a verdadeira causa da inundação, rapidamente as autoridades colocaram as máquinas para desobstruir o canal e o secretário, expert em Lagoa, acabou mais tarde sendo prefeito da cidade.
2-Asfaltando a Lagoa: Desde o início dos plantios em 1989, pude notar o forte cheiro de gasolina e óleo que emanava das galerias de águas pluviais situadas em frente ao Parque da Catacumba. Certo dia além do cheiro vazou óleo queimado da galeria, o que foi devidamente denunciado, mais uma vez, pelos meios de comunicação. Depois de várias denúncias, os órgãos ambientais na época alegaram que nada de errado estava acontecendo e que os vazamentos observados seriam conseqüência do lavado das pistas pelas chuvas que conduziam os resíduos para a Lagoa. O detalhe é que os vazamentos aconteciam sem chuva! Passados vários anos e denúncias, progressivamente os postos de combustíveis situados na periferia da Lagoa, iniciaram um processo de modernização, onde os antigos tanques de combustíveis pareciam verdadeiras peneiras, dado o ataque das águas salobras do lençol freático local. Em resumo, trocados os tanques, os vazamentos nunca mais foram observados.
3-Chovendo fezes na Lagoa: Durante mais de uma década, notei que praticamente todas as galerias de águas pluviais da Lagoa, despejavam esgoto de forma que praticamente ininterrupta em toda a sua periferia. Mais uma vez fazendo uso dos meios de comunicação, dezenas de matérias foram feitas, inúmeros relatórios foram encaminhados e a desculpa dos administradores públicos da época era que o que se via escoando das galerias eram fezes de cachorro, mendigo, cavalo e por aí ia. “Nunca em tempo algum” na Lagoa qualquer autoridade estatal confirmou que aquilo que se via e em gigantesca quantidade escoando para a Lagoa era a conseqüência do colapso da rede de esgoto da CEDAE daquela região. Pois bem, o tempo passou e finalmente no período entre 2000 e 2002 foram recolhidas 400 toneladas de peixes mortos! Mais uma vez, certos da mais completa impunidade, até o então governador, outro expert em Lagoa, afirmou que a mortandade era fruto do excesso de peixes! No tiroteio de asneiras entre Município e Estado, onde filho feio não tem pai, organizamos uma reação por parte da sociedade, ministério público e assembléia legislativa, exigindo da CEDAE uma diagnose do sistema de saneamento da região. Em resumo o estudo desenvolvido pela COPPE informava que:
-a CEDAE em quinze anos (1985-2000) cobrando as devidas tarifas, havia investido menos de 1% na manutenção do sistema de esgoto, isto é, era faturar e deixar o sistema virar um verdadeiro queijo suíço com todas as elevatórias praticamente sucateadas;
-51% da rede de canos tinha mais de 60 anos. Um verdadeiro conjunto de arqueologia fecal!
Diante dessas evidências a estatal assinou um termo de ajuste de conduta (TAC) com o ministério público que apesar dos atrasos, vem sendo cumprido e principalmente, desde que iniciadas as obras, as mortandades cessaram e a qualidade da água da Lagoa, sem os lançamentos generalizados de esgoto melhorou da forma esperada. Enfim, a Lagoa deixara de ser um pinico.
Muita festa, muita propaganda, investimentos privados, mas sempre que podia, eu vinha alertando que a saúde da paciente Lagoa, apesar de muito melhor e já recebendo alta, sempre mereceria cuidados especiais em conseqüência de sua localização, cercada por uma densa malha urbana e dos problemas provenientes disso.
Na quarta passada recebo telefonema de uma jornalista querendo saber o motivo da praia do Leblon estar inundada por um mar de fezes. A única resposta que pude pensar seria associada à algum despejo proveniente dos canais da Visconde de Albuquerque ou do Jardim de Alah. Na quinta pelos jornais se lê a confirmação do despejo proveniente do canal da Visconde de Albuquerque, oficialmente transformado em valão de esgoto, havia sido o responsável pela inundação fecal praiana. Na sexta, às 8:20 da manhã sou informado que peixes estavam morrendo desde às 3:00 na Lagoa. Eram savelhas, bagres, robalos, curvinas, manjubas e até a super resistente tilápia, todos boiando mais uma vez sob o triste olhar dos garis que os removiam das águas. Peixes subiam na superfície tentando obter o oxigênio inexistente na água e crustáceos pulavam da água para as margens secas onde morriam ou eram capturados enquanto isso, robalos de até 8 quilogramas foram capturados moribundos nas margens da Lagoa.
A situação no sábado continuava crítica com o aumento do volume de peixes mortos, asfaltando com peixes mortos as águas situadas em frente ao Parque do Cantagalo e da Fonte de Saudade somando-se aos que agonizavam em frente ao Parque da Catacumba. Era de dar dó, robalos de 6 à 13 quilogramas mortos, inchados, boiando junto à curvinas.
Revoltado, peguei um dos robalos que boiavam nas águas e pendurei o mesmo pela cabeça numa das árvores da ciclovia, num protesto silencioso por mais esse desastre ambiental. Amanhã, domingo, deve ter mais.
Afirmo que existe um inequívoco “nexo causal”, espacial e temporal entre os dois eventos separados por menos de 48 horas e conectados ao mesmo canal da Visconde de Albuquerque, um valão de fezes.
Também tenho certeza mais do que absoluta, baseado na experiência desses vinte anos de Lagoa, que nunca saberemos a verdade e que também ninguém será responsabilizado, ou melhor, será atribuída a culpa ou às forças da Natureza ou para algum de seus representantes que não podem se defender no melancólico e previsível mundo dos homens.
Gostaria, no entanto, evitar discussões improdutivas nesse ano em que se comemora internacionalmente o ano da Biodiversidade e aproveitar mais essa mortandade na cidade que sediará nos próximos seis anos nada menos do que quatro grandes eventos internacionais, um deles, voltado exclusivamente às questões ambientais de sugerir claras ações que visem dar maior estabilidade ambiental ao ecossistema da Lagoa.
São elas:
1- Reinstalação do sistema de monitoramento automático físico-quimico on line - 24 horas das águas da Lagoa por meio de diversas bóias espalhadas por diversos pontos. Destaco que esse monitoramento existiu quando o atual prefeito foi secretário municipal de meio ambiente de nossa cidade e o sistema extremamente eficiente pode colaborar na identificação de lançamentos de esgoto bem como alterações perigosas para a fauna da Lagoa. Infelizmente por brigas político-partidárias entre município e estado o sistema foi desmontado pelo prefeito anterior.
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foto - Leonardo DeGoter
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Cansado de ouvir tantas hipóteses associadas com ataques terroristas, 2012 e o calendário maia, choque térmico, gripe suína, terremoto no Chile, etc, etc, o robaldo da foto resolveu dar cabo de sua própria existência e se enforcou na margem da ciclovia, sob os atônitos olhares humanos. Enquanto isso, milhares de outros peixes buscavam o oxigênio que sobrava nas avaliações oficiais, diretamente da atmosfera.
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