início bocadomangue Mario Moscatelli

CONTAGEM REGRESSIVA

Esse artigo bem como toda a luta que representa o projeto OLHOVERDE vão dedicados à querida ex-aluna e amiga Patrícia Ramalho que por aquelas coisas que eu não consigo ainda entender, partiu, continuando seu processo evolutivo. Uma pessoa maravilhosa a qual eu sempre serei um amigo fraterno. Mais uma estrela brilhando no céu.

Tem gente que acredita que em 2012 o mundo como o conhecemos vai se acabar por motivos de ordem astronômica, mística e sabe-se lá mais quais motivos. Um dia depois do fracasso da seleção brasileira de futebol, passo pelo elevado do Joá e vejo onde antes se lia “Sorria você está na Barra”, um painel contando quantos dias faltam para os jogos Olímpicos começarem em nossa cidade.

Desde aquele momento, percebi que aquele painel-relógio marca de fato e sem qualquer dúvida o tempo que a cidade do Rio de Janeiro terá para reverter toda ou a maior parte da bacanal ambiental que se instalou e institucionalizou não só na cidade como em toda e principalmente na região metropolitana de mesmo nome.

Da mesma forma que existia nos tempos da “Guerra Fria” um relógio que quanto mais
azedavam as relações entre as duas superpotências nucleares, mais o relógio apontava
para a meia noite, ou seja, para o holocausto nuclear, da mesma forma acontecerá com
aquela contagem regressiva na entrada da Barra da Tijuca. Mais aqueles dias irão se
esvaziando, mais minhas esperanças de ver as lagoas da baixada de Jacarepaguá e as baías de Guanabara e Sepetiba recuperadas estarão escoando para o valão de minhas desilusões ambientais.

Destaco que minha contagem regressiva ambiental se associada exclusivamente aos jogos Olímpicos é uma posição conservadora e otimista, visto que no ano que vem teremos os jogos Olímpicos Militares, em 2012 a Eco+ 20, em 2013 a Copa das Confederações, 2014 a Copa do Mundo e finalmente em 2016 os Jogos Olímpicos. Ou seja, o trabalho já deveria ter começado! E felizmente de certa forma já começou, mas ainda de forma tímida quando comparamos o passivo ambiental que precisa ser resolvido.

Então vejamos o que já está em andamento:

• O rio Iguaçú vem sendo dragado e várias moradias situadas na sua faixa marginal
de proteção vêm sendo removidas;
• O canal do Fundão está sendo dragado, melhorando a circulação de água naquele
fétido canal assoreado e tomado por esgoto e lixo. Vai melhorar a circulação de
água com certeza, mas se não pararem de jogar merda por meio de rios, drenos,
valões e canais aí a coisa vai continuar complicada;
• A praia de Sepetiba está sendo recuperada;
• Troncos coletores têm sido instalados gradativamente visando o encaminhamento
do esgoto gerado para a estação de tratamento da Alegria que continua com sua
capacidade subutilizada;
• A rede de esgoto na baixada de Jacarepaguá vêm sendo instalada até com ajuda da
iniciativa privada e parte do esgoto gerado na região já vem sendo tratado e lançado
no mar. No entanto a bacia hidrográfica continua aquele valão de esgoto de sempre
e a famigerada unidade de tratamento do arroio Fundo ainda continua sem ter sido
inaugurada. É possível que mais algumas coisas venham sendo efetuadas, mas disso ou eu não tenho conhecimento ou mesmo esqueci. No entanto isso que foi itemizado acima quando comparado com as pífias administrações anteriores parece muito, mas não é!
E não é devido ao tamanho do problema ambiental acumulado por décadas de casa da mãe Joana!

Para que todos tenham a idéia do tamanho do abacaxi, preparem seus neurônios:
• Praticamente toda a bacia hidrográfica da região metropolitana é um valão de
esgoto, também usado como coletor e transportador de lixo;
• A apresentação de uma política de habitação continua mais a reboque das freqüentes
e mais do que anunciadas tragédias do que propriamente uma política de governo
das esferas municipais, estadual e federal. Geralmente o dinheiro sempre aparece
depois que morreram o suficiente para virar matéria na mídia, caso contrário tudo
continua na mesma, sendo que, quem acaba pagando continua sendo o tal ambiente
e os mortos;
• A política de transporte continua uma incógnita em relação ao oferecimento de um
serviço abundante, de qualidade e integrado;
• Boa parte das unidades de conservação, independente de quem as tenham parido em
alguma data festiva, continuam ao Deus dará;
• A fiscalização dos órgãos ambientais continua na maioria das vezes atrás do
prejuízo. Falta no meu entender, vontade política, articulação, qualificação do
material humano, quantidade de material humano e de infra-estrutura e valorização
desse serviço, fundamental numa terra sem lei;
• Comportamento da população acostumado a fazer o que quiser onde quiser e
quando quer. Infelizmente o que predomina é um comportamento social na prática
escravagista, de tercerização da cidadania e exploratório a qualquer custo dos
recursos naturais ainda à disposição, como para o lazer. Visitem qualquer praia no
final de tarde num sábado ou domingo. Parece que uma horda de porcos passou
pelas areias. É de dar nojo, ao menos para quem tem um mínimo de cuidado por
onde anda e senta.

CONTAGEM REGRESSIVA
Caminhões despejam sobre as fábricas de vida marinha, milhares de metros cúbicos de lixo de todo o tipo e procedência.

De todos os passivos acima resumidos o que mais me preocupa é o cultural, pois esse não muda de uma hora para a outra, dependendo por um lado de dura fiscalização como acontece de forma exemplar nas fiscalizações da Lei Seca e de um trabalho de futuro junto às faixas etárias ainda não completamente deturpadas pela cultura do usar até acabar.

O resto dos passivos, sinceramente não me preocupa, desde que ainda em 2010 tenhamos alinhavado o que teremos de fazer para acabar com os valões de esgoto e demais abacaxis. Mas enquanto pensamos em 2016, nossos “queridos” políticos do congresso nacional já decidiram resolver por meio das alterações do código florestal ir adiantando o fim do mundo previsto para 2012.

Sempre antenados na vanguarda da miopia dos ganhos econômicos imediatistas, nenhum de nossos prodigiosos políticos vai querer perder o assento privilegiado que lhes aguarda no inferno que iram criar na Terra principalmente em ano eleitoral quando precisam à todo custo garantir mais quatro anos de mamatas pagas com nossos impostos. A sociedade como de praxe, a tudo assiste bestificada, catatônica, aguardando para breve o natal, depois o ano novo com nova ou novo presidente e depois é cair no carnaval.

Também sempre querendo participar de tudo que está na moda as cianobactérias do sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá logo se animaram e num daqueles conhecidos bacanais, característicos de nossos prestigiosos jogadores de futebol cariocas, tratados geralmente pelos seus clubes, como meninos levados, se multiplicam a valer em resposta ao veranico de 30 graus centígrados em pleno inverno carioca. Como de praxe, as autoridades dizem que tudo está sob controle na cloaca descontrolada na qual rios, lagoas e baías se transformaram. Mas mantenhamos a calma pois tudo acaba bem e nossa segurança e saúde está muito bem resguardada pelo poder público.

Puxa, que bom viver num lugar assim!

Me engana que eu gosto...

Mario Moscatelli – Biólogo – Professor de Gerenciamento de Ecossistemas do Centro Universitário da Cidade e executor do projeto OLHOVERDE

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