início bocadomangue Mario Moscatelli

SEM MEDO DA IRA DE DEUS

Quando Deus não era essa pessoa politicamente correta que hoje domina o imaginário humano, que ama em sua infinita bondade da mesma forma as vítimas, seus estupradores, pedófilos, agiotas, genocidas, desmatadores, caçadores de espécies em extinção, donos de fábricas de armas, traficantes, políticos canalhas que roubam verbas dos desabrigados por catástrofes, verbas de hospitais, verbas de merenda escolar, verbas de transporte, verbas da educação, verbas do saneamento, verbas da segurança, enfim de tudo que possam pilhar, as coisas eram ligeiramente diferentes nesse planeta dos humanos.

O Deus de antigamente era osso duro de roer, testando seus filhos e filhas no limite de suas forças. Para os que pisavam na bola, havia o purgatório e para os casos mais extremos o inferno, onde os malditos pecadores iriam torrar por toda a eternidade.

De alguma forma, não totalmente, o medo de torrar no inferno ou de sofrer alguma punição divina, controlava ligeiramente o macaco recentemente descido das árvores e assim o espírito reptiliano, territorialista, predatório e auto-destrutivo que tanto caracteriza ainda a adolescente espécie Homo sapiens era aquietado.

Em sociedades mais civilizadas, o investimento em educação de qualidade, aos poucos trocou o inferno e seus derivativos pelas variadas e mais espetaculares possibilidades para aqueles que desejassem investir numa das máquinas biológicas mais belas existentes no planeta Terra, o cérebro humano.

Espetacular o que podem produzir aqueles bilhões de células, integradas por tantas outras bilhões de sinapses. Não é por outro motivo que ainda estou aqui escrevendo essas linhas e podendo ver minha prole crescer. No entanto por outro lado, o lado sombrio do produto dessas mesmas sinapses pode gerar os maiores horrores, inconcebíveis, inaceitáveis e ao mesmo tempo completamente justificáveis racionalmente pelos seus algozes.

Tem sido assim nas milhares de brigas, disputas, batalhas e guerras que tem manchado de sangue todos os cantos do planeta.

Pensando mais especificamente para os meus campos de batalha ambientais, chego a ter saudades do Deus antigo, destruidor, que punia com inundações e fogo seus mal agradecidos produtos da evolução.

Na última semana de julho, uma maré absurdamente baixa expôs, mais uma vez o quadro de total incivilidade dos moradores de minha cidade. Na agonizante laguna da Tijuca, pude contar 185 pneus numa única ilha exposta de lama e lixo. Somavam-se a estes, uma máquina de lavar, dezenas de sofás, duas lixeiras, e muito, mas muito lixo doméstico. Aquilo que foi um dia água, borbulhava de gás sulfídrico e metano. Nada de novo. Parecia que havia ocorrido uma guerra, ou melhor, que eu estava na porta de algum tipo de inferno pós-moderno. Contrastava com esse cenário apocalíptico, o vôo de colhereiros, frangos dágua e marrecas toicinho que tentavam entender o que estava acontecendo naquele lugar.

Subi o arroio Fundo e vi lá do alto que grande volume de lixo produzido pela população da Cidade de Deus é amontoado nas margens do arroio e posteriormente as várias montanhas de lixo doméstico, sofás, tvs, etc, vão parar inevitavelmente dentro do pútrido arroio e desse para as lagoas.

Poderíamos dizer que “esses favelados não tem jeito”! Infelizmente não são só eles que degradam o ambiente pelos mais variados motivos históricos, culturais e educacionais. Ao sobrevoar outro trecho da mesma lagoa, avistei que na mesma área onde estão espalhados inúmeros outdoors dizendo: “ IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO DA PENÍNSULA E DO SEU ENTORNO ” a grande maioria das galerias de águas pluviais vomitava de forma quase que permanente esgoto como se na região estivesse chovendo merda!

Incrível, após investimentos na casa de milhões de reais, inaugurações com toda a pompa e circunstância, muita mídia, sorrisos, rasgações de seda e discursos emocionados, a merda insiste em continuar escoando para as águas da laguna da Tijuca. Aí a CEDAE, sempre ela, diz que o problema é do shopping X, outro setor do próprio governo estadual que não quer se expor diz de boca miúda que é a rede da CEDAE é que foi mal projetada, executada ou não sei mais o que. Enfim, muito jogo de empurra e a merda continua escoando para a lagoa.

Outra que se esmera na arte de fazer melança ambiental é a refinaria Reduc em Duque de Caxias. No primeiro dia de agosto sobrevoando pelo OLHOVERDE a região do “rio” Iguaçu, lá estava aquela conhecida mancha de óleo escorrendo valão abaixo, temperando os caranguejos que sobraram. Destaca-se que em dezembro de 2010 a mesma mancha havia sido denunciada e NINGUÉM, muito menos a Reduc, havia assumido qualquer responsabilidade como de praxe. Provavelmente alguma nave alienígena havia tido problemas e, portanto descarregado óleo no valão. Pois bem, dessa vez consegui junto com equipe do jornal O GLOBO que me acompanhava no vôo, flagrar a origem do óleo. O assunto foi encaminhado ao secretário Carlos Minc que tomou as medidas legais cabíveis e a degradadora foi multada R$3,3 milhões.

lixeira
"Na agonizante laguna da Tijuca, pude contar 185 pneus numa única ilha exposta de lama e lixo. Somavam-se a estes, uma máquina de lavar, dezenas de sofás, duas lixeiras, e muito, mas muito lixo doméstico. Aquilo que foi um dia água, borbulhava de gás sulfídrico e metano. Nada de novo."

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Agora resta saber se a empresa vai pagar, pois aí é outro parto! De qualquer forma é importante que independente do tamanho e da importância da empresa, a mesma deve cumprir as leis às quais todos nós mortais, também somos submetidos.

Falando de estatais, que deveriam dar o exemplo para as demais empresas, mas infelizmente muitas vezes fazem exatamente o contrário, no mesmo sobrevôo, passando pelo aeroporto Tom Jobim, vejo mais uma vez a imagem de boas vindas que nossa eficiente INFRAERO dá aos turistas que chegam à cidade maravilhosa. Um belo dreno de águas pluviais escoando merda, mais uma vez e sempre ela, escorrendo bucolicamente em direção às não menos pútridas águas da baía ou cloaca da Guanabara.

De onde vem o esgoto eu não sei dizer! Apenas digo o que vejo. É o sistema de drenagem do aeroporto internacional do Rio de Janeiro despejando esgoto! Agora que as “auturidadis” se mexam, identifiquem a origem e multem, processem quem é o irresponsável pelo problema.

Tem sido assim nos últimos trezentos anos e o resultado dessa falta de amor pela cidade, pelo ambiente do qual dependemos é essa degradação que eu pago caro e presencio seja nas lagoas, baías e morros, onde sobra esgoto e lixo por todo canto e onde a população parece estar acostumada a viver naquele inferno ambiental. Mas convenhamos que inferno ambiental é termo para intelectual que se alimenta três vezes ao dia e tem tempo para pensar e filosofar na frente do computador.

Enfim, a falta de medo de um Deus vingativo misturada com falta de educação de boa qualidade, pode estar criando uma reação do tipo “deixa a vida me levar” que está nos conduzindo à um profundo abismo. Talvez já tenhamos caído nele, apenas não tenhamos nos dado conta da queda, até o momento de nos estraçalharmos no fundo com nossa miopia e arrogância.

Não tenho dúvidas que se Deus deixasse de lado seu lado pós-moderno e retornasse ao seu modus operandi original, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo entre tantas outras metrópoles seriam incineradas de imediato tal como Sodoma e Gomorra.

Pecamos diariamente por ação e principalmente omissão deixando muitas vezes nas mãos de irresponsáveis o nosso futuro e de nossos descendentes, acreditando que nunca receberemos em casa a fatura de tamanho descaso.

E como dizia aquele velho samba: “Tudo que se faz na Terra, se coloca Deus no meio. Deus já deve estar de saco cheio...”.

Mario Moscatelli - Biólogo

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