início bocadomangue Mario Moscatelli

ANTIGAS NOVIDADES (Cazuza)

Certa vez um jornalista do jornal O GLOBO depois de me expor um determinado problema ambiental e ouvir minha explanação, me interrompeu rispidamente e diparou: “Mas Moscatelli, você sempre fala a mesma coisa!”.

De pronto retruquei com a mesma grossura: “Ora meu caro, se há anos o problema é o mesmo, o que você quer que eu faça? Invente uma nova receita? Uma nova resposta para o mesmo velho problema de sempre?”. E a conversa ficou por aí mesmo.

Pois bem, mexendo em meus alfarrábios, naqueles momentos de loucura onde é fundamental se desapegar de antigos papéis que não servem mais para absolutamente nada, a não ser para alimentar baratas e tomar espaço, lá encontrei um trabalho intitulado: “Levantamento Taxonômico Preliminar da Ictiofauna da Laguna da Tijuca, Rio de Janeiro” dos pesquisadores C. M. Volcker e J. V. Andreatta, este último tendo sido meu professor nos anos 80 na saudosa Universidade Santa Úrsula.

Lendo o trabalho que foi desenvolvido de 1975 à 1982, não dá para acreditar que há tão pouco tempo atrás poderiam ser pescados na atual latrina da Tijuca:
Elops saurus (ubarana)
Brevoortia pectinata (savelha)
Genidens genidens (bagre)
Poecilia vivípara (guarú)
Mugil liza (tainha)
Mugil curema (tainha)
Xenomelandris brasiliensis (peixe-rei)
Centropomus parallelus (robalo)
Caran crysos (carapau)
Oligoplites saurus (guivira)
Eucinostomus argenteus (carapicu)
Eugerres brasilianus (carapeba listrada)
Diapterus rhombeus (carapeba branca)
Micropogondas furnieri (corvina)
Paralonchurus brasiliensis (maria luiza)
Bathygobius soporator (aimoré)
Gobionellus oceanicus (maria da toca)
Geophagus brasiliensis (cará manteiga)
Tilapia rendali (tilápia)
Citharichthys spilopterus (linguado)
Achirus achirus declivis (linguado)
Symphurus jenynsi (linguado)

Em vermelho espécies que não dá para acreditar que existam em nossa atual cloaca da Tijuca.

Destaco que dessas espécies todas, na lagoa da Tijuca, só sobraram a tilápia e às vezes quando a maré de ressaca invade o sistema lagunar, algumas tainhas desavisadas. O resto sumiu ou praticamente só existe mesmo na memória dos pescadores locais.

Falando em pescadores, conversando com um deles, que hoje trabalha comigo na recuperação dos manguezais locais, o mesmo me conta coisas que lamentavelmente lembram histórias de pescadores, tais como:

• Pescar camarão na lagoa da Tijuca;
• Ver o fundo da lagoa do Camorim através da água translúcida
que vinha do mar;
• Encher o barco de peixe em poucas horas de pesca e por aí vai.

Finalizando sobre o estudo indicado, destaco dos seus sete itens finais, quatro chocantes e premonitórios do que iria acontecer em breve com aquela espetacular laguna:

1. Foram coletadas 24 espécies de peixes – Imaginem isso nos dias de hoje!
2. Foram coletados dois exemplares de Tilapia rendali, espécie até então não citada para a laguna da Tijuca – Era o início do império dessa espécie;
3. Observou-se um grande número de veranistas nos fins de semana pescando com vários tipos de redes e malhas, ocasionando uma sobrepesca – A casa da mãe Joana
já vinha desde então e até de muito mais tempo como atestado por Magalhães Correia no famoso livro “O Sertão Carioca” de 1936;
4. Em vista do aumento de construções, aterros e assoreamento na área estudada, prevê-se o desaparecimento da laguna da Tijuca em futuro próximo à um simples canal, como exemplo à de Camorim – Infelizmente estavam certos!

ANTIGAS NOVIDADES
"Sem dúvida, somos uma praga nesse planeta".

Antes deles (Vocher e Andreatta), Magalhães Correia em 1936 já alertava para o possível desaparecimento do Sertão Carioca e de sua fauna e flora esplendorosa.

Depois dele vieram tantos outros, como pela antiga FEEMA por meio das pioneiras biólogas Dorothy Sue Dunn de Araújo e Norma Crud Maciel, onde todos sem exceção terminavam seus trabalhos científicos ou nem tanto, alertando sobre o poderoso processo de degradação que se apossava da baixada de Jacarepaguá.

Infelizmente, legislação, conhecimento científico, tudo foi jogado latrina abaixo, misturado com muita politicagem, muita conversa e finalmente chegamos ao século XXI com o sistema lagunar completamente detonado, como todos que acompanham os elatórios do OLHO VERDE tem constatado.

Neste mais recente contexto, nos finais dos anos noventa apareço eu, depois de ter sido devidamente escurraçado do município de Angra dos Reis, ou melhor, me autoexilando na casa de meus pais enquanto tinha meu couro nos ossos.

Foram dezenas, até quem sabe centenas de denúncias, reportagens por tvs, jornais e infelizmente nada mudou de forma significativa. Sociedade e o “puder púbico” haviam decidido transformar o sistema lagunar numa latrina e assim conseguiram. Não foi por falta de avisos.

Aí penso nas questões globais, nos avisos que temos recebido por meio de inúmeros trabalhos, conferências, encontros, reunindo os mais diversos tipos de pesquisadores, de climatologistas à ecólogos, de glaciologistas à economistas e de uma forma geral, o que se resume de tudo do que se ouve e lê é que:

• Nós, autodenominados humanos, tiramos mais do que o planeta
tem a nos oferecer. Nossa forma de relacionamento com os recursos naturais
continua predatória de uma forma geral.

• Quem tem muito, não quer abrir a mão. Quem tem alguma coisa, quer mais. Quem não tem nada, morre esperando.

• Se quisermos igualar o consumo de todos os habitantes como dos norte-americanos, é bom pensarmos em buscar novos planetas para serem saqueados, pois esse planeta não dará conta da encomenda.

• O raciocínio que movimenta a economia, baseada no consumo, caso não adequada à finitude dos recursos e da ainda precária ou tímida reciclagem dos materiais descartados, levará o planeta ao caos, com já aconteceu com outras sociedades, muitas e muitas vezes nesse insignificante período temporal no qual a espécie humana tem “dominado” o planeta.

Relendo revistas de dez anos atrás, sem qualquer pretensão científica, as mesmas indicavam o que estava por vir, tal como intensificação de extremos climáticos, com desabamentos nas grandes metrópoles, inundações, secas e possível savanização da Amazônia e enquanto escrevo essas linhas, lembro de mais e mais recentes previsões que só têm errado no prazo da materialização do CAOS.

Era para ser em 2100. Depois foi diminuindo até bater na minha frente em janeiro de 2010 em Angra dos Reis e depois em abril do mesmo ano no Rio de Janeiro e em Niterói. Eu estava lá, vi e fotografei aquele pequeno aperitivo do CAOS que está hipoteticamente” por vir, muito mais devastador e generalizado. Fui e venho sendo um observador privilegiado, lá do alto, presenciando, a dor, a morte, a perda irremediável.

Mas vai ver que dessa vez tudo está errado e as previsões não vão se concretizar, ao menos para a espécie dominante, pois para tantas outras que nem teremos o prazer de conhecer, a velocidade de extinção está acelerada, segundo os experts, em até 1000 vezes em comparação com os processos chamados naturais.

Sem dúvida, somos uma praga nesse planeta, típico da adolescência de qualquer espécie que adquiriu competência acima de sua responsabilidade com o planeta que tem por única moradia, ao menos por enquanto.

Voltando ao início, muitas vezes quando falo com os amigos e amigas jornalistas, minhas filhas ao meu lado, praticamente já sabem o que vou dizer, bem como ficam repetindo antecipadamente o que eu falarei muitas e muitas vezes, pois os problemas são sempre praticamente os mesmos, passados gestão após gestão sem qualquer solução definitiva.

Ao mesmo tempo que não nego a transmissão das informações na esperança do elefante pesado e sem vontade se mexer e fazer o que tem ser feito, por outro lado não sei mais quanto tempo temos a perder falando, pois quase tudo já foi dito.

Agora é mostrar que aprendemos algo com tanta conversa e avisos

Mario Moscatelli – Biólogo – Professor de Gerenciamento de Ecossistemas do Centro Universitário da Cidade e executor do projeto OLHOVERDE

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