início bocadomangue Mario Moscatelli

DIA DA ÁGUA. QUAL ÁGUA?

Longe de qualquer palanque, longe das falsas promessas, longe dos hipotéticos legados, estava eu hoje de manhã “passeando” no meio da calha do arroio Fundo. Tomado por lixo que atinge dois metros de profundidade, onde sobram garrafas pets, tubos de imagem de televisores, embalagens de leite e sacos, muitos sacos de lixo doméstico, em algum momento perdi a esperança. Escorreu, perdeu-se, partiu-se.

Aquela que dizem que é a última que morre, me escapuliu entre uma pet e outra que chegava, devagar, sem pressa, com a certeza da impunidade igual ao dos políticos que nada fazem pelo ambiente de nossa cidade. Ela se perdeu naquele fluxo de água imunda, pútrida, contaminada e mal cheirosa, igual a maioria das comissões parlamentares de inquérito que dão em nada.

Olhei para os lados, e vi dezenas de carros passarem por mais aquele desrespeito com o ambiente das lagoas e com o dinheiro público e não vi qualquer reação, a não ser o escárnio de algumas piadas sem sentido, acompanhadas de gargalhadas que enchiam meus ouvidos.

Dois quilômetros de onde deveria estar funcionando há mais de oito meses a inacabada e abandonada estação do arroio Fundo, famigerado legado ambiental do Pan que não aconteceu, ergue-se uma imponente construção denominada “Cidade da Música”.

Se para a conclusão da estação faltam pouco mais de treze milhões de reais, a suntuosa, a piramidal, a faraônica futura casa de música consumirá aproximadamente MEIO BILHÃO DE REAIS dos impostos pagos pelos achacados contribuintes de nossa cidade.

Questão de prioridade e vontade política do chefe do administrativo municipal que coloca à frente do bem público seus devaneios pessoais. Provavelmente quer deixar uma obra com seu nome para a posteridade da cidade.

A mesma cidade na qual as vias estão esburacadas, ruas mal iluminadas, onde os hospitais funcionam mal e porcamente, que sem políticas de habitação e transporte apresenta um claro processo de metástase em seu tecido urbano ambiental.

Mas com a certeza que todo o político brasileiro tem na impunidade de seus mandos e desmandos, nas ações e principalmente omissões, relega à quarto ou quinto plano o que é de mais sagrado para todas as criaturas desse pequeno planeta: a água.

Em mais essa comemoração ambiental, perde-se o sentido do termo comemoração visto que se procurar por água, límpida, cristalina, inodora e sem gosto, seu achado em nossa cidade tornar-se-á primeira página dos principais jornais da região.

Procure abaixo da cota sessenta metros água, água que alimenta a vida, que não a encontrarão, tanto por descaso dos maus administradores como também da sociedade que parece como eu, ter entregue os pontos há muitos anos.

As idéias se atrapalham no meio do cenário apocalíptico que presencio e venho denunciando desde o fim dos jogos Pan e Para Pan Americanos. Me pergunto: Por que quase ninguém reclama, se aquela obra é de interesse comum de toda a sociedade, desde a que vai morar na vila do Pan à aquela que usufrui da praia da Barra? Qual o motivo que cala ou faz calar tanta gente? Serão os 73% tecnicamente analfabetos da população brasileira? Será nossa dieta rica em gorduras saturadas? Será o aquecimento global e a queda do dólar combinados? Ou talvez algum desvio genético natural ou induzido pela seleção natural de Pindorama?

DIA DA ÁGUA. QUAL ÁGUA?
"... Lixo pressiona diretamente estrutura da estação de Arroio Fundo."

 

DIA DA ÁGUA. QUAL ÁGUA?

Semana que vem, no dia da água, ocorrerão as festividades de praxe com as crianças, as mesmas que herdarão toda a merda que fazemos e deixamos fazer, transformando água em esgoto e depósito de plásticos, seja nos rios, lagoas, praias, mares e baías. Destaca-se que após quinhentos anos de exploração até a exaustão, produzimos no litoral da região sudeste brasileira, uma das regiões costeiras mais degradadas deste planeta.

Longe dos holofotes do ecologicamente correto rumamos enquanto sociedade em direção ao colapso. Colapso moral, mental, ambiental.

Olho mais uma vez em volta e lá no fundo vem boiando mais um corpo sem vida de algum animal que não pude identificar o que era. Vinha-se somar às pets, às embalagens e a minha esperança, perdida diante de tamanho desdenho e arrogância.

Começa a chover mais forte e o céu cinza carregado de nuvens anuncia que vem mais água, que por alguns segundos será limpa até entrar em contato com o homem e suas obras.

Parabéns, nós estamos conseguindo ignorar todos os avisos que vêm sendo dados e não há dúvidas se existe realmente algum MAL dentro ou fora de nós, ele está vencendo essa batalha.

Boa sorte aos que pensam e reagem, e que os demais calados, continuem padecendo em silêncio.

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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