início bocadomangue Mario Moscatelli

NATUREZA VINGATIVA

Inúmeras vezes usei a expressão “...a Natureza não se protege, se vinga...”.

Pois bem, os últimos capítulos da triste, lamentável, catastrófica e previsível novela do mosquito e da moléstia a ele associada, mais uma vez me atormenta.

A revolta nasce pela perda de vidas, principalmente das crianças assassinadas. Digo sim, assassinadas, pela incompetência das autoridades públicas de todas as áreas direta e indiretamente envolvidas, como pela falta de bom senso da sociedade que quase sempre omissa aos desmandos governamentais e resignada ao seu destino catastrófico, busca no inatingível imaginário as causas de tamanha calamidade que se abate em nossa cidade.

Minha gente, não foi terremoto, nem tsunami, eventos dificilmente previsíveis com antecedência, foi uma moléstia que há diversos anos vem matando em todos os verões sob os passivos, atônitos olhares desses incompetentes administradores públicos que com aquela conhecida certeza da IMPUNIDADE, apenas se mexem diante dos holofotes da mídia quando a porteira já foi arrombada.

Quando sai do controle, aí convocam-se soldados, criam-se gabinetes de administração da crise, tendas disso e daquilo, sem no entanto levar em conta que todas essas medidas, tardiamente implementadas, apesar de salvarem vidas, de nada vão adiantar para as dezenas de crianças que já morreram.

O que se passa na cabeça de uma criança que morre? O que é a morte para uma criança de apenas três anos? Para onde vão essas crianças? São perguntas as quais me intrigam e me sufocam e com as quais não consigo lidar, pois talvez tenham sido desperdiçadas inutilmente o futuro de pessoas que nunca mais irão existir, que acabaram naquele ato de selvageria amoral que a classe política brasileira gera, a todo momento, em todo esse país.

O que se passa na cabeça do prefeito que fica discutindo semântica, se é ou não epidemia? O que se passa na cabeça das autoridades envolvidas, responsáveis pelo CAOS no qual está mergulhada ainda mais a já combalida saúde dessa cidade? Será que essa gente sente remorso? O que é essa gente é?

O dengue, as cianobactérias e gigogas das lagoas da baixada de Jacarepaguá, os escândalos envolvendo dossiês e tapiocas, cartões corporativos, a cidade da música de meio bilhão de reais, a estação do arroio Fundo inacabada, os insuficientes recursos destinados às estradas, aos portos, à educação, à saúde, todos são parte do mesmo caledoscópio amoral que essa escória da espécie humana chamada classe política produz não só em nossa colônia como em todo nosso planeta.

São eles que alimentados e sustentados por interesses econômicos imediatistas é que geram guerras, fome, assistencialismo, populismo, falta de instrução, extremismos religiosos e destruição ambiental e nós resignados com nossa aparente incapacidade de dar um basta a toda essa carnificina milenar é que rumamos diretamente em direção à fúria do planeta.

DIA DA ÁGUA. QUAL ÁGUA?

 

A fúria ou a vingança nada mais são, longe do sentido religioso ou filosófico, do que a reação às nossas ações e omissões. Os mecanismos de homeostase do planeta vem sendo tanto suprimidos como utilizados para a geração de mais desequilíbrio dentro de uma ótica puramente economicista de usar até acabar os recursos planetários. Destaca-se que como sociedade planetária, consumimos 25% mais do que o planeta por meio de seus processos naturais tem capacidade de repor.

Independente dos protocolos e das aparentes boas intenções, as florestas continuam sendo suprimidas na cara dos satélites sem que o poder público tenha vontade e capacidade de dar uma resposta à altura que a situação exige. Tudo com as mesmas raízes, que matam através do dengue. Incompetência, falta de vontade política, excesso de aspones em todas as esferas e a triunfante certeza da IMPUNIDADE.

Importante neste contexto de mau atendimento, número de profissionais insuficientes, mortos e muita mobilização tardia do poder público sob pressão da mídia, foi a posição dos especialistas na área de entomofauna e infectologia que reunidos na FIOCRUZ, onde dentre várias conclusões, a ocupação desordenada do tecido ambiental de nossa cidade foi indicada como uma das principais causas facilitadoras da gravidade da epidemia.  Não é por acaso que a região de Curicica na baixada de Jacarepaguá é uma das áreas de mais alto contágio. Ora, ora, sobrevoem ou passem de carro naquela área e verão dezenas de lixões do jeito que o mosquito gosta. Não tem jeito, infelizmente não há poder público municipal na cidade do Rio de Janeiro e se Roma teve Nero, o Rio de Janeiro tem o atual prefeito que está fazendo de fato um “ótimo” trabalho na área de meio ambiente. Que o digam os mosquitos, ratos, baratas e urubus.

Mais uma vez a Natureza responde.

Pergunto: Se você deixar de pagar IPTU, IPVA, IR, o que acontece com você? PORRADA, independente do motivo que te levou a não pagar os devidos tributos.

Pergunto: Se você morrer em virtude da incompetência do poder público, o que vai acontecer com o ministro e os secretários de saúde envolvidos ou com os chefes do executivo? PORRA NEHUMA, independente do grau de responsabilidade que cada um tem na crise.

Tenham CERTEZA que sempre que o filho feio nasce, o colo que vai criar o monstrengo é do contribuinte achacado.

Enquanto lutamos até com soldados do exército contra uma moléstia e um vetor mais do que manjados, “um pedaço de gelo, sete vezes maior do que a ilha de Manhattam (EUA) se partiu na Antártida (JB-26/03/2008)”.

Pois é, não será por falta de aviso que o ambiente de nossa cidade, de nosso estado, de nosso país e de nosso planeta não vão se vingar de nossa irresponsabilidade.

Que aquelas crianças mortas nos perdoem por tanta omissão.

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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