início bocadomangue Mario Moscatelli

MANGUEZAIS – DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS

Dizer quais as funções ambientais, econômicas e sociais dos manguezais, me desculpem, mas eu não vou repetir pela enésima vez as mesmas coisas. Estou já de saco cheio! Se tiverem curiosidade pesquisem no GOOGLE, mangrove, manglares, manguezal e lá vocês irão encontrar tudo e algo mais sobre esse fascinante ecossistema, sua resiliência, sua fauna e flora, enfim tudo que sua curiosidade quiser buscar.

Aqui nessas linhas vocês irão ter uma noção do gosto azedo que eu sinto toda vez que sobrevôo os manguezais de Duque de Caxias ou de Sepetiba e vejo ao vivo e a cores, que as leis ambientais não servem para PORRA NENHUMA, principalmente dependendo do local onde estejam ocorrendo os delitos e de quem os executa.

Lembro de um trabalho que fiz há pouco tempo atrás na baía de Ilha Grande quando um cidadão teve sua obra embargada por estar hipoteticamente, segundo a autoridade, a menos de quinze metros de um conjunto perfilado de algumas singelas e perfiladas árvores de mangue que caprichosamente se instalaram numa praia. Mesmo tendo feito a defesa daquela estranha situação à favor do proprietário que até queria mais árvores de mangue que lhe permitissem maior privacidade, até hoje a obra continua embargada pela autoridade e o proprietário não sabe o que mais deve fazer.

Enquanto isso, os primos pobres da baía de Guanabara, têm seus manguezais devastados por lixões clandestinos que primeiro usam o ecossistema como área de desova de todo tipo de resíduos, domésticos, hospitalares, entulhos de obra e tudo mais que vocês possam imaginar. Depois de bem elevado o terreno, cobre-se o mesmo com uma camada de saibro e instalam-se barracos, daqueles que a gente vê lá no Haiti.

Em outro caso, trabalhando numa das margens do rio São João de Meriti, onde venho executando a recuperação dos manguezais da região, vivo um transe escatológico. Pois bem, visando a recuperação, necessitei criar uma extensa barreira para reter de tudo que escoa do referido rio e da outra margem. A empresa que me contratou tem gastado uma fábula de recursos para o cumprimento de um termo de ajuste de conduta junto ao Ministério Público. No entanto a margem oposta é usada como depósito de lixo e carcaças de veículos lançadas pela “cumunidadi” sem que nenhuma “auturidadi” faça nada contra. Enquanto isso, fico na margem oposta tirando lixo que não pára de chegar, destruindo as barreiras e impedindo a recuperação dos manguezais locais. Isto é, de cá tem lei para ser cumprida. Do lado de lá, é a casa da Mãe Joana consentida!

Os manguezais também da baía de Sepetiba são tratados que nem MERDA, visto que a favela situada na margem do rio Piraquê-Cabuçú na periferia da Reserva Biológica e Arqueológica de Guaratiba, nunca fez outra coisa senão crescer em faixa marginal de proteção do referido rio e também sobre os outrora manguezais e apicuns locais.

Tudo lá acontecendo em tempo real e sendo devidamente denunciado pela mídia.

É duro de se ver o seu trabalho de DEZ ANOS visando a recuperação de míseros 250.000 metros quadrados de manguezais numa área enquanto a ação da “cumunidadi” e a apatia do “puder púbico” produzem os mais grotescos shows de impunidade ambiental, eliminando centenas de hectares de tudo que sobrou desse tipo de ecossistema na baía de Guanabara.

MANGUEZAIS
"...nos manguezais de Duque de Caxias, onde quase nenhuma árvore de Avicennia schaueriana (mangue negro) ficou com folha..."


Na outra ponta dos manguezais devastados, cobertos por lixo, esgoto, contaminados por metais pesados ficam os “ambientalistas de escritório”, engomados, “burrocratizados”, sempre prontos com piadinhas de momento e ligados na realidade legal, principalmente quando aplicada em potenciais desafetos ou classes sociais desprezadas ideologicamente.

Engraçado que normalmente quando há audiências públicas os “ambientalistas de auditório”, outra espécie também muito difundida por essas paragens, munidos de frases de efeito e preocupações ecológicas com as amendoeiras, estão sempre lá para marcar ponto na defesa de um tal meio ambiente virtual, visto que NUNCA vejo os mesmos por onde ando e navego.

O recente ataque de lagartas, de magnitude jamais vista na região da baía de Guanabara, observado nos manguezais de Duque de Caxias, onde quase nenhuma árvore de Avicennia schaueriana (mangue negro) ficou com folha, mostra bem o poder das forças da Natureza, independente do tamanho, o estrago impetrado pode ser avassalador.

Mas pior do que as lagartas, sua voracidade e o estrago que elas produziram nos manguezais é a lenta agonia de minhas esperanças de ver de fato o processo de degradação dos manguezais ser pelo menos paralisado. Não queria nem ganhar. Me bastava empatar. O que não consigo mais é ver meu time perdendo de goleada com o juiz olhando para a arquibancada!

Minha expectativa no estado do Rio de Janeiro reside EXCLUSIVAMENTE na pessoa do secretário de ambiente de estado, colega de várias ações, desde 1989 em defesa dos manguezais de nossa costa. Fora esse, a União e os municípios aparentam estar, completamente alheios, em estado catatônico, abestalhado ao que acontece com os ecossistemas costeiros e as conseqüências de sua degradação. Diria até que em face das denúncias públicas, os responsáveis que sentam nas cadeiras de decisão e são pagos com dinheiro público, poderiam se explicar porque NADA FAZEM diante da degradação mais do que denunciada.

Nos manguezais tenho a oportunidade de ver o caleidoscópio grotesco do Brasil, onde por uma lado tem lei para tudo, e por outro deixa-se tudo correr solto. Se em alguns casos implementa-se a lei com toda sua magnitude, dependendo dos interesses envolvidos, em outros, esquece-se a vergonha da cara trancada em alguma gaveta.

Enfim e assim só resta minha revolta de ver essa casa da Mãe Joana se institucionalizar, até quando eu não sei.

Pobres manguezais.....

Para ver fotos do mangue carioca, clique aqui!

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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