bocadomangue Mario Moscatelli

TEMPO REI

Tenho tantas coisas na minha cabeça rodopiando que não sei bem por onde começar.
Bem, comecemos por algum lugar.

Estive em Santa Catarina convidado em recente encontro que abordava assuntos referentes a manguezais, com principal ênfase à educação. Muita gente conhecida, alguns discursos já também bastante conhecidos, mas o que me chamou bastante a atenção, até onde participei do evento, foi a falta de estratégia prática nacional e principalmente de articulação política no que diz respeito à proteção do ecossistema manguezal. Assisti a várias intervenções inflamadas, inclusive a minha, a favor da proteção, da recuperação, da fiscalização, contra a omissão e ação das autoridades em permitir a degradação, porém até onde participei (mais uma vez), restava a pergunta: e daí?

Quando uma das participantes, reconhecida autoridade internacional no assunto ensaiou uma tentativa de organizar uma reação de fato, senti um nítido incômodo na platéia, comentários transversos, dúvidas sobre a verdadeira intenção da referida pesquisadora, enfim resumido no conhecido e protocolar empacador de qualquer tipo de avanço prático: “Precisamos discutir mais o assunto”.

Pensei comigo mesmo: Ferrou! Lá vamos nós, criar “comichões” disso e daquilo, enquanto o pau come solto lá fora.

Venho esporadicamente participando desses eventos, envolvendo acadêmicos, ambientalistas, ongs e demais setores interessados no assunto e infelizmente aquela sensação de “terapia de grupo”, me invade em cada debate de forma muito forte na medida que acaba com mais perguntas e denúncias do que respostas práticas na proteção dos recursos naturais provenientes do manguezal, já que a maioria das denúncias é caso de inquérito administrativo e ação da polícia federal. Não tem mais como ficar naquele reme-reme de sempre.

Enquanto discutimos quem sabe mais, e de que forma poderíamos melhor montar esse ou aquele projeto os manguezais que não têm mais tempo na vida real, continuam sendo convertidos para os mais distintos fins sem qualquer amparo ambiental e legal.
Se, fico enfurecido com a degradação que devora o que sobrou de nossos manguezais no estado do Rio de Janeiro, a situação apresentada por professor da Universidade Federal do Ceará é no mínimo para se ligar para a ministra e perguntar o que o IBAMA do Ceará anda fazendo por lá? Segundo seus relatos e fotografias apresentadas no evento, centenas de hectares de manguezais e apicuns estão sendo convertidos em gigantescos tanques para a produção de camarão principalmente veiculado à exportação desse produto. Mais uma vez, baseados na cultura do pau-brasil, de usar até acabar, a biodiversidade e os serviços ambientais, econômicos e sociais gerados pela existência do manguezal são preteridos pela ótica exploratória da monocultura voltada para o mercado externo. O que fica claro é que não mudou nada em quinhentos anos de degradação, apenas os produtos exportados para as metrópoles de sempre com o consenso dos representantes do mercado do momento.

Detalhe, toda essa bacanal acontece com a aparente conivência de quem deveria trabalhar no sentido do gerenciamento sustentável do ecossistema. Se tudo corresponde à realidade sem que tenha ocorrido nenhuma “carregada nas tintas” por parte de nosso colega cearense, parece que no estado do Ceará, legislação ambiental é coisa ainda desconhecida pelos órgãos ambientais bem como a ação do Ministério Público e da polícia federal se faz mais do que necessária e para ontem!

Quando caí na besteira em minha palestra de falar em custos envolvendo atividades de recuperação bem como do envolvimento do empresariado carioca interessado em agregar valor aos seus empreendimentos, recuperando e gerenciando as áreas de manguezais, fui quase crucificado por caiçara, onde não se pouparam adjetivos pouco lisonjeiros à minha atividade de recuperação.

No meu entender além dos diversos problemas estratégicos culturais que temos de ultrapassar para de fato fazer frente à degradação ambiental na região costeira, precisamos urgentemente de um divã coletivo, visando acabar de uma vez por todas com essa mania de falso heroísmo e altruísmo suicida nas causas ambientais. Parece que tem gente que se acostumou a ver nosso time perder de goleada e não entende que além das palmas em eventos dos que comungam de nossas idéias, pelo menos em parte delas, e de financiamento de estatal potencialmente degradadora, precisamos de ferramentas capazes em curtíssimo prazo de tempo para reverter à conversão de nossos recursos naturais em monoculturas voltadas para o mercado exterior. Precisamos procurar nas forças produtivas da sociedade áreas de conexão, onde não apenas nosso desejo particular e o que está previsto nas leis ambientais, venham de fato proteger nossa galinha dos ovos de ouro.
Saindo de São Francisco do Sul, onde ocorreu o evento acima, dei uma passada em Florianópolis e, lá fui eu voltar no tempo no qual minha cidade era a verdadeira Cidade Maravilhosa. Sem dúvida Florianópolis traz muito do que foi o Rio de Janeiro, principalmente em quem tanto se perturba com o processo de metástase social e urbana que violentamente insiste em destruir essa última.

Lá fui eu para a maravilhosa e deslumbrante lagoa da Conceição. Não dá para descrever a emoção de avistá-la lá do alto, com suas águas ainda cristalinas, com costões rochosos, praias e sua vegetação perilagunar exuberante. Não satisfeito fui visitar a lagoa do Peri, quando tive nitidamente um insight de espaço-tempo quando consegui ver como eram as lagoas Rodrigo de Freitas e da baixada de Jacarepaguá. Simplesmente emocionante e claramente revoltante!
Infelizmente mais tarde, caminhando pela orla da lagoa da Conceição, até parece maldição, lá fui eu sentir aquele maldito cheiro de esgoto. Lá estava ele saindo silenciosamente pela canalização de águas pluviais para as águas cristalinas da lagoa. Associado a isso, mais a frente lá estava duas placas do órgão ambiental estadual indicando perigo para a balneabilidade.
Peço aos prezados amigos de Florianópolis que não permitam que o crescimento desordenado, o lucro fácil e a omissão do poder público destruam a sua tão bela cidade, que lembra em toda a magnitude, a beleza em parte perdida, de minha querida cidade do Rio de Janeiro.

Ao chegar ao Rio, pude ver uma barreira (ecobarreira) instalada no rio Irajá, visando segurar o aporte de resíduos sólidos na baía de Guanabara. Espero que esta boa iniciativa do governo do Estado do Rio de Janeiro venha a ser generalizada por outros rios, transformados em verdadeiros transportadores de lixo em direção a baía.
Enquanto isso, como se via hoje de manhã (10/11/2004), a mancha verde de algas tóxicas avança com cada vez maior voracidade em direção a praia da Barra e até hoje, NENHUMA autoridade deu as caras no sentido de plantar uma placa avisando aos infelizes que usam aquela mistura de esgoto e algas para o lazer, esporte e/ou alimentação dos perigos que os mesmos correm tendo contato com aquela coisa.

De algumas poucas coisas eu ainda tenho certeza:

1- Do jeito que o licenciamento ambiental vai indo, no estado do Rio de Janeiro, definível como o verdadeiro samba do crioulo doido, onde tem cacique demais para quase nenhum índio, a proteção de fato dos recursos naturais nessa “taba” sem o auxílio dos setores esclarecidos da iniciativa privada, inviabilizaram qualquer tipo de iniciativa de desenvolvimento de fato sustentável.

2- Do jeito que as “políticas” de meio ambiente vêm sendo regurgitadas por algumas “auturidades” em nosso país de quatro em quatro anos, podem ter certeza que não vai sobrar muita coisa para contar a história daqui a vinte anos, tornando nossa vida AMBIENTALMENTE INSUPORTÁVEL em nossa cidade.

3- Se não mudarmos nossa abordagem estritamente legalista no que concerne o gerenciamento ambiental e vislumbrarmos óticas diferenciadas de otimizar a utilização dos recursos naturais, vamos a cada evento acadêmico continuar a choramingar patologicamente nossas agruras quanto à destruição desse ou daquele ecossistema, continuando com as “terapias em grupo”.
Tudo o que eu escrevi nesse artigo são minhas opiniões geradas de minha vivência na guerra civil com a qual convivo diariamente em lagoas, manguezais e baías degradadas e fedorentas. Se, estou certo ou não, isso realmente não faz muita importância agora, pois o Tempo Rei dirá quem de fato conseguiu prever os desdobramentos de tanta irresponsabilidade, impunidade, ego e incompetência.

Nosso trabalho agora, nesse exato momento, individualmente ou coletivamente, é retardar a explosão que está por vir, bem como reduzir seus efeitos do jeito de cada um.
E isso é para agora, independente de você concordar ou não comigo.

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

Tempo Rei .

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