bocadomangue Mario Moscatelli

BALANÇO GERAL

Final de ano e como de praxe vamos dar uma checada no que deu certo e naquilo que continua na mesma em algumas chagas ambientais de nossa cidade.
Sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá – Não há dúvidas que após pelo menos doze anos de muito barulho e reclamação por parte da sociedade, as autoridades estaduais, diga-se SERLA, em 2004 realmente estão colocando a mão na lama e no lixo. Em parceria com a iniciativa privada ou contando com recurso financeiro do FECAM, que finalmente está sendo usado para a finalidade para o qual foi criado, a laguna da Tijuca vem sofrendo uma “lipoaspiração” parcial, onde aproximadamente entre um e dois milhões dos seis milhões de metros cúbicos existentes de sedimentos e lixo estão sendo dragados, criando um canal mais largo e profundo dentro do lamaçal no qual se transformou a laguna da Tijuca.

O objetivo, junto ao desentupimento de vários canais de drenagem, atualmente completamente tomados por plantas aquáticas (macrófitas) é de melhorar a circulação de água no interior de todo o sistema lagunar da região.

O trabalho está andando, mesmo diante das dificuldades técnicas e da dimensão gigantesca do passivo ambiental que precisa ser atacado.
Apesar dessas importantes iniciativas, problemas graves continuam sem solução. São eles:

a - A completa ausência de atuação concreta do governo federal quanto à recuperação ambiental da região que sediará a maior parte dos jogos de 2007. A questão da permissão do governo federal quanto à obtenção do empréstimo japonês pela prefeitura do Rio de Janeiro, visando à recuperação da bacia hidrográfica da baixada continua naquele reme-reme de sempre, onde sobra boa intenção mas dinheiro que é bom, nada. Engraçado, dinheiro nunca falta para socorrer banco falido, agora para questões de ordem ambiental, só mesmo antes da eleição toda a simpatia possível, depois é aquela eterna dificuldade de caixa! Pois bem, já passou da hora do atual governo federal, que recebeu expressiva votação em nosso estado, mostrar além do blá-blá, realmente interesse em ajudar na prática recuperar este patrimônio ambiental de nossa cidade. Se a prefeitura não pode se endividar mais, então que o governo federal assuma o empréstimo e divida a placa com a prefeitura e todo mundo sai ganhando, do político ao caranguejo. O resto é conversa.

b - As obras de saneamento continuam sendo tocadas, sendo que invariavelmente correm boatos de toda a espécie, sobre atrasos, redução da área de cobertura da futura rede, lançamento de esgoto sem tratamento, enfim aquele enredo que invariavelmente envolve o trabalho da estatal CEDAE. A última data que ouvi nos jornais é que o sistema de tratamento, estaria em funcionamento até final de 2005. Pessoalmente, por aquilo que eu tenho acompanhado, só acredito vendo!
c - Infelizmente se o sistema de saneamento a cargo da CEDAE não estiver em funcionamento até final de 2005, quando boa parte das dragagens que vêm sendo efetuadas nos canais pela SERLA, deverão estar sendo finalizadas, provavelmente estaremos inaugurando uma nova cloaca na praia da Macumba. Aí será o encontro “ecumêmico” dos excrementos de Vargem Pequena e Grande com os lançados pelo quebra-mar. Espero que meu realismo não se confirme, mas a recente história do saneamento de nossa cidade é mais do que preocupante
d - Outro ponto importante, que parece que deverá ser resolvido pela SERLA através da instalação de painéis e distribuição de panfletos, é a informação aos usuários do sistema lagunar quanto seu potencial perigo à saúde pública. Tal perigo se materializa não apenas pelas lagoas terem sido transformadas em privadas gigantescas, como por serem o “lar” de algas tóxicas. A população precisa ser avisada quanto ao perigo que corre não apenas através do banho como pelo consumo de peixes potencialmente contaminados. Só que aí criamos um problema sócio-econômico, visto que temos ainda atividade pesqueira na região e é aí que entra a ação do ministério do meio ambiente, ainda adormecido para as questões de nosso sistema lagunar. Devo esclarecer que estive por pelo menos três vezes com a então senadora, atual ministra do meio ambiente, quando por meio de palestra audiovisual e relatório apresentei-lhe a situação terminal de nosso sistema lagunar. Infelizmente o tempo passa e o tempo voa e ação que é boa, mais uma vez nada. Neste contexto, da mesma forma que o ministério apóia os pescadores em áreas contaminadas por derrames de óleo, poderia agir apoiando economicamente os pescadores que sobrevivem no meio de fezes, lixo e algas tóxicas no sistema lagunar. Caso o ministério não tenha recursos, aí caberia ao governo do estado assumir a situação visto que é ele que é o principal responsável pela degradação generalizada da qualidade da água das lagunas da região, já que monopoliza os serviços de água e esgoto.
e - Outra situação que me preocupa é a salinização da Lagoinha, visto que seu regime típico é de água doce e conseqüentemente com sua fauna e flora adaptada àquela situação. Tal salinização se daria segundo o modelo matemático apresentado pela SERLA, por meio da desobstrução do canal das Taxas que se liga ao canal de Sernambetiba e esse ao mar. Não quero criar polêmicas, acho que há necessidade de desobstrução de vários canais, só que temos esse problema da Lagoinha que precisa ser analisado e resolvido, não dando para ficar empurrando com a barriga ou fazendo que não existe. É preciso saber se com a salinização preconizada pelo modelo se a comunidade biológica local será afetada e de que forma. Lembremos que as lagunas não são apenas sistemas hidráulicos, elas são ecossistemas já extremamente impactados e devem merecer avaliação constante quanto a esse importante compartimento.
f - Espero que as ações de fiscalização da SERLA continuem, bem como a da prefeitura também se intensifiquem na baixada de Jacarepaguá, visto que do alto, percebe-se claramente que todos os erros cometidos no resto da cidade quanto à ocupação desordenada se repetem nessa região. Para isso seria mais do que interessante que os administradores públicos deixassem a política partidária de lado e deixassem os técnicos trabalharem de forma articulada. Se for impossível por bem, que o Ministério Público dentro de suas atribuições aja de forma enérgica para acabar com essa mania de transformar as questões ambientais em arenas de prepotência e falta de interesse pelo bem público.
Lagoa Rodrigo de Freitas – Mais uma vez a SERLA tem mostrado bastante esforço no sentido do gerenciamento do ecossistema local, tanto pelos trabalhos de dragagem que continuam ocorrendo (quando vão acabar?), na remoção de plantas aquáticas empregando parte dos pescadores da colônia de pesca, criando espaços culturais, operando e desobstruindo o canal do jardim de Alah, no entanto temos importantes problemas ainda não resolvidos.
a - Estou até hoje pasmo com a desativação do sistema de monitoramento contínuo criado pelo então secretário municipal de meio ambiente Eduardo Paes e desativado em 2004 pela prefeitura em virtude do rompimento do convênio que existia entre a prefeitura e o estado. Toda vez que passo pela Lagoa e vejo os postes que captavam energia solar para abastecer o sistema de monitoramento, o sistema de monitoramento e a base de análise, tudo abandonado, apenas por que se rompeu uma porcaria de convênio, fico enfurecido como se joga dinheiro público e boas idéias no lixo, apenas por questões de ordem política. A qualidade de vida da população e do equilíbrio ambiental da Lagoa está acima de qualquer briguinha política momentânea.
b - Até agora eu gostaria de saber se o termo de ajuste de conduta firmado entre a CEDAE e o Ministério Público Estadual será concluído até o mês de março de 2005. Visto que o prazo original se esgotou no ano passado, quando o MP concedeu um novo prazo de mais 12 meses para a conclusão das obras de saneamento da bacia da Lagoa. Pois bem, enquanto março não chega, o excremento que descia de dia pelo canal da avenida General Gárzon, agora só chega de noite e madrugada, sem falar nos vazamentos mais do que conhecidos em frente ao Parque da Catacumba e Cantagalo. Engraçado essa relação do poder público com o cidadão. Se você atrasa algum pagamento, é multa, mora, dívida ativa, carregam o carro para o depósito, etc. Agora se é obrigação de fazer da “metrópole” com prazo de execução definido, pode esperar sentado, pois atrasa, vem CPI, precatório e pizza, muita pizza. Democracia esquisita essa!

Praia de São Conrado e Copacabana – Na primeira semana de chuva antes do natal, o quadro continuava aquele “bonito” de sempre, com excremento misturado com lixo surfando da Rocinha para a praia. Não tenho informações quanto ao término daquela obra secular. Na minha querida Copacabana, segundo “auturidade” do estado, é normal ter aquelas “belas atrações turísticas” nas areias em formato de línguas negras, uma coisa normal. Ninguém merece ouvir um comentário infeliz desses, fruto da completa falta de interesse em resolver um problema que se arrasta por décadas e que é resolvido de forma tupiniquim cobrindo a sujeira com areia. Seria interessante que os “experts” pensassem na criação de um sistema de galeria de cintura, parecida com aquela que existe parcialmente na Lagoa e que pegasse toda aquela “água” que vai para a praia e a enviasse para o emissário de Ipanema. É possível? O que não é possível é ter excremento boiando nos piscinões criados por cada chuva que cai na outrora Princesinha do Mar que nossas queridas “auturidades” transformaram na Geni.

Baía de Guanabara – Como já disse várias vezes, esse assunto é caso de polícia. Já perdi a conta dos escândalos que existem associados com o famigerado Programa de Despoluição da Baía de Guanabara. Já teve CPI, denúncias, desembolso de aproximadamente um bilhão e uns trocadinhos de dólares, agora horizonte de finalização, por enquanto isso só para quem acredita em reencarnação. Enquanto nossas “auturidades” pensam nas próximas eleições, os rios Sarapuí, Iguaçu, São João de Meriti dentre outros, são verdadeiros, rios de excremento e lixo, exalando odores comparáveis só com os encontrados no inferno. A boa notícia é que a SERLA instalou um sistema de barreiras que EVITA a chegada do lixo à baía de Guanabara, permitindo sua coleta concentrada e reaproveitamento do material para reciclagem e geração de empregos. Espera-se que essa boa idéia se generalize, atacando pelo menos parcialmente o problema da chegada de lixo na baía.
Outra coisa que me despertou preocupação, foi o acidente na baía de Paranaguá e a ineficiência do combate à poluição gerada pela explosão e posterior vazamento de óleo combustível. Fico me perguntando, diante do sucateamento de nossas estruturas ambientais se as refinarias e portos localizados no entorno na baía de Guanabara tem estrutura, planos, pessoal preparado para dar combate a potenciais acidentes. Não quero ser leviano, mas aposto que se agora acontecesse novo acidente com vazamento de óleo, estaríamos numa situação semelhante à de 1997 e 2000, quando a estatal petrolífera quase que asfaltou boa parte da baía de Guanabara. Espero estar errado.

Finalizando – Foi triste mas não espantou ter o órgão ambiental estadual FEEMA comparado com o antigo DETRAN, em virtude do envolvimento de seus funcionários com a emissão de licenças ambientais podres. Realmente a atual administração estadual da mesma forma que fez renascer a operacionalidade da SERLA deve ser obrigada por todos que exigem melhorias na qualidade ambiental de nossa cidade que a FEEMA novamente volte a ser a instituição que num passado não muito distante foi uma referência internacional.
Nunca é tarde lembrar que o sistema de licenciamento em nosso estado continua precisando urgentemente de uma ordenação e articulação, visando acabar com essa bacanal que mais uma vez TEM por único objetivo transformar o meio ambiente num balcão de negócios

De resto, um próspero ano novo, equilíbrio, saúde, paz e dignidade!

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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