bocadomangue Mario Moscatelli

PARA QUE A DOR POSSA SEMPRE MOSTRAR ALGO DE BOM....

Mais um verão, mais uma mortandade totalizando aproximadamente vinte toneladas de peixes, num dos principais cartões postais da cidade do Rio de Janeiro. Lembro bem quando em dezembro de 1999, quando haviam morrido quatro toneladas de peixes em frente ao parque do Cantagalo e eu assessorava o então secretário de meio ambiente do Estado, alertei todas as autoridades presentes relacionadas ao problema que o esgoto jorrava continuamente nas águas da Lagoa e que suas conseqüências seriam devastadoras para o ecossistema local. A constatação do excremento que brotava das galerias de águas pluviais não era ideológica, nem acadêmica, mas sim singelamente olfativa e visual.

O tempo passou, o que tinha de ser feito, não foi feito como de costume e em fevereiro de 2000, lá estavam boiando por volta de cento e quarenta toneladas de peixes, crustáceos e tudo o que dependesse de oxigênio das águas da Lagoa.

Precisaram manifestações públicas, abraços na Lagoa e mais duas consecutivas grandes mortandades, totalizando quatrocentas toneladas de peixes mortos para que a estrutura do poder público em suas diferentes esferas se sentisse pressionada e finalmente efetuasse algumas ações no sentido de reduzir os vazamentos de esgoto que inundavam a Lagoa bem como intensificasse o monitoramento de suas condições ambientais.

Este pequeno retrospecto de uma pequena faceta da inexistência de um gerenciamento ambiental contínuo e adequado, tem sido alterado desde então com grande dificuldade visto a miopia que os tomadores de decisão têm em enxergar o que é óbvio, isto é, a natureza é nossa principal parceira econômica e ambiental e ela sabe se vingar.

Não existe mais espaço para improvisação nem para desculpas pouco convincentes, onde geralmente a vítima da incapacidade gerencial do poder público hoje é o réu de amanhã. Morreu peixe, a culpa é do peixe, visto que filho feio não tem pai e peixe não fala para se defender nem tão pouco vota!

No entanto quero aproveitar esse espaço para tornar públicas propostas concretas, as mesmas que encaminhei oficialmente ao Ministério Público Estadual bem como pessoalmente ao sempre solicito presidente da SERLA. São elas:

1- Retorno do sistema de monitoramento contínuo (24 horas/dia) em diversos pontos do espelho dágua da Lagoa bem como nas saídas das águas pluviais que desembocam na mesma. Tal monitoramento já foi efetuado durante aproximadamente três anos pela secretaria municipal de meio ambiente da prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro através do Núcleo de Gerenciamento Ambiental da Lagoa, com ótimos resultados quanto ao gerenciamento de fato do delicado equilíbrio ambiental daquele ecossistema. Infelizmente por questões de ordem política, o convênio entre a Prefeitura e o Estado foi rompido e com isso todo o sistema de monitoramento 24h/dia instalado foi removido, atualmente contando apenas com monitoramento efetuado pela FEEMA com avaliações que não são contínuas, como o ecossistema local assim necessita em quaisquer circunstâncias, visto sua vulnerabilidade em relação à malha urbana que o envolve.

2- Retorno do plano de emergência junto com a colônia de pesca local, onde a partir do momento que as condições ambientais monitoradas 24h/dia apresentarem uma situação crítica para a sobrevivência da ictiofauna local. O plano seria colocado imediatamente em prática, consistindo basicamente da retirada dos peixes da Lagoa antes que morressem pelo desequilíbrio diagnosticado. Atualmente o peixe que é transformado em lixo, poderia ser mais bem aproveitado tanto através de sua comercialização ou transformação em ração. Mais uma vez saliento que esse plano já foi implantado recentemente pela prefeitura associado com o sistema de monitoramento permanente, tendo sido inclusive utilizado numa ocasião de possível mortandade, antecipada pelo monitoramento.

3- Finalização das obras das quais a CEDAE se comprometeu junto ao MP a executar na bacia da laguna Rodrigo de Freitas e que salvo engano, deveriam ter sido finalizadas no ano passado (2004), sendo que o MP prorrogou por mais um ano a finalização das mesmas pela CEDAE. Diante da vulnerabilidade que as possíveis falhas desta empresa geram no desequilíbrio ambiental da Lagoa, mostra-se fundamental a finalização das obras possivelmente ainda não finalizadas e acordadas com o MP, o quanto antes.

4- Resolução final quanto à melhora das condições de troca de água da Lagoa com o mar através do canal do Jardim de Alah, aonde tal assunto vem sendo exaustivamente debatido politicamente, economicamente, academicamente, psicanaliticamente, mas sem no entanto chegarmos de fato a uma ação concreta e definitiva para a resolução do problema da atual ineficiente troca de água entre a lagoa e o mar e que atualmente continua sendo resolvido de forma paliativa com a infindável retirada de areia tanto da boca como da parte final do canal.

O mesmo sistema de monitoramento contínuo sugerido para a laguna Rodrigo de Freitas, deveria ser implantado no sistema lagunar bem como com a criação de um núcleo de gerenciamento do sistema lagunar devidamente equipado, visando progressivamente tratar de perto e constantemente o gigantesco passivo ambiental existente na região.

Espero que quando esse artigo sair, as medidas aqui sugeridas já tenham saído do papel e já estejam de alguma forma sendo materializadas e que em contrapartida nenhuma nova mortandade tenha acontecido, pois as soluções existem, só falta vontade política e continuidade na execução das mesmas.

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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