bocadomangue Mario Moscatelli

PARQUES DE PAPEL MANCHADOS DE SANGUE

As últimas semanas, além do esgoto que insiste em poluir nossas lagoas, rios e praias, teve sangue escorrendo, manchando a teórica civilidade de nosso país.

Se por um lado quando mataram a religiosa naturalizada no Pará, muitos alegavam que aquilo é um fim de mundo, terra de ninguém, onde o poder público mal acabou de chegar, muito parecido com diversas áreas faveladas da cidade do Rio de Janeiro, foi quando mais recentemente ainda, também covardemente mataram outro cidadão que defendia a Reserva Biológica do Tíngua, situada no município de Nova Iguaçu, região metropolitana do Rio de Janeiro.

Além das análises que recaem no sentimento de impunidade que parece acobertar psicologicamente e estimular ativamente os covardes que mandam e ou assassinam mulheres e homens empenhados em causas humanitárias e ambientais, outro elemento importante a ser identificado é o constante casuísmo político no que diz respeito à criação de unidades de conservação em nosso país.

Tal atitude tem gerado a figura mais do que conhecida dos “parques de papel”, onde em datas festivas, dia da árvore, do meio ambiente ou por necessidade de calar a boca da opinião pública devido a algum fato isolado que repercute negativamente para a imagem da “entendida auturidade”, apressado e mal informado o administrador público, tira da cartola como que num passe de mágica o ato de criação de uma unidade de conservação ou de várias, dependendo da demanda gerada pela mídia e opinião pública

Não que isso aconteça sempre, visto que várias unidades de conservação criadas, têm sérios estudos desenvolvidos por anos através de importantes institutos de pesquisa. No entanto a politicagem tem se intrometido de forma suficiente para criar anormalidades que beiram o ridículo. Uma delas foi a da criação da Reserva Biológica da Ilha Grande, um tipo de unidade de conservação incompatível com a realidade sócio-urbanística e ambiental daquela ilha. Mas o que é importante é ter a manchete no jornal que a “auturidade” criou tal unidade que é importante por isso e por aquilo. Passou dois dias, a tal “auturidade” e seu staff de experts, já esqueceram do assunto e em resumo a tal unidade de conservação, não passa de uma ficção na vida real. Boa parte das unidades de conservação quando são de uso restrito e necessitam de que sua regularização fundiária seja realizada, esse detalhezinho na maioria esmagadora das vezes é completamente esquecido pelos experts em eventos e rega-bofes ambientais.

Quanto à infra-estrutura operacional básica, isto é, instalações físicas, automóvel, barco, gasolina e gente especializada no gerenciamento das unidades, isso é outra dramática história, pois sempre falta alguma coisa. Gente em quantidade suficiente para cobrir áreas gigantescas, equipamentos adequados, segurança e principalmente continuidade administrativa. Outro elemento importante esquecido pelos criadores de unidades de conservação é que muitas delas precisam apresentar zoneamentos, isto é, cria-se uma Área de Proteção Ambiental, unidade que aceita variados usos, só que a geração de um plano de zoneamento exige uma equipe, viagens de campo, análises de levantamentos aerofotogramétricos, de imagens de satélite etc, etc. Mas infelizmente o mesmo poder público que pariu a unidade é o primeiro a abandoná-la a própria sorte, pois onde na teoria do não poder fazer nada, na prática, sem fiscalização e gerenciamento faz-se tudo e de qualquer jeito.

Para se ter uma idéia da baderna que é esse casuísmo político de cria unidade de conservação para cá e para lá, em 1997 fui consultor do documento intitulado “Programa de Gestão para o Desenvolvimento Sustentável à Baía da Ilha Grande” com o apoio do Banco Mundial. Pois bem, acompanhe o quadro encontrado em algumas das unidades de conservação locais:
*Reserva Ecológica da Joatinga, com uma área de 8.000 hectares, sem plano de manejo, de responsabilidade do IEF, incipiente em seu estado de implantação, não demarcada, sem qualquer infra-estrutura. *Reserva Biológica da Praia do Sul, com uma área de 2.854 hectares, com plano de manejo desde 1985, de responsabilidade da FEEMA, contava com sede e três funcionários. *Parque Nacional da Serra da Bocaina, com uma área de 106.800 hectares, sem plano de manejo, de responsabilidade do IBAMA, com alguma infra-estrutura em São Paulo, não implantado no Estado do Rio de Janeiro. *Estação Ecológica de Tamoios, com uma área de 5.640 hectares, sem plano de manejo, de responsabilidade do IBAMA, estado de implantação incipiente. *APA do Cairuçu, com uma área de 28.340 hectares, sem plano diretor, de responsabilidade do IBAMA, estado de implantação incipiente.

Além da diagnose, esse documento gerou sugestões operacionais para a resolução dos problemas identificados, com cronogramas, custos associados, enfim dados suficientes para dar início a alguma ação articulada do poder público. Pois desde 1997, alguém por aí viu alguma dessas medidas sair do papel? Será que alguma “auturidade” e ou expert da área ambiental conhece a existência desse documento? “Auturidade” brasileira adora mandar fazer diagnoses, estudos de avaliação, levantamentos, agora botar a mão na massa e resolver o “probrema”, isso não foi ainda bem assimilado não!

Ou seja, parir e tirar proveito na mídia é fácil, difícil é cuidar, administrar do que se criou. Além dos parques de papel, para complicar mais ainda a baderna criada pelos burocratas ambientais, outra epidemia são as superposições legais, onde se levar em conta tudo que existe de legislações, restrições, portarias, resoluções e tudo que vocês possam imaginar, associado à subjetividade da interpretação zodiacal de cada cabeça que lê, na zona costeira não dá nem para sair de casa sem fazer um Estudo de Impacto Ambiental com audiência pública!

Recentemente em busca de uma resposta imediata ao homicídio da missionária no Pará, constantemente ameaçada com o conhecimento das sempre atentas “auturidades”, o governo federal numa ação de pirotecnia para a demanda gerada pela mídia e opinião pública nacional e internacional, chamou ministros, reuniu ministros, disse que ia fazer e acontecer, mandou tropas do exército para região, criou unidades de conservação gigantescas aqui e acolá no norte do país e aí fiquei pensando, até quando esse fogo todo vai durar? Não demorou muito e o exército mandou avisar que sem dimdim, seria obrigado a abandonar a região pois não dispunha de verbas para aquele tipo de missão. E imaginem se aqui no Estado do Rio de Janeiro com as pequenas unidades de conservação quando comparadas com as dimensões das criadas no norte do país é essa fartura, onde “farta” quase tudo, como é que os burocratas ambientais vão de fato gerenciar aquelas imensidões de terra no norte do país, a verdadeira casa da mãe Joana?
Pois é, e nessa história toda, morreram mais uma cidadã e um cidadão. De bom mesmo foi à ação da polícia civil, militar, federal e do exército que rapidamente conseguiram pegar os assassinos e identificar os respectivos mandantes. Pena que isso agora não faça mais diferença para os dois mortos, mas talvez ajude a fazer pensar aos futuros covardes que matar ou mandar matar alguém está começando a ficar mais complicado no Brasil.

Pois é, enquanto isso (03/03/05) apesar de ter comunicado desde o ano passado o fato tanto ao secretário de meio ambiente do município do Rio de Janeiro, como mais recentemente ao presidente da SERLA, o esgoto continua jorrando criminosamente nas galerias de águas pluviais do Jardim Oceânico para dentro da lagoa da Tijuca. Com quem mais vou ter de falar? Com a polícia federal?

Finalizando é bom ficar ligado que essa bagunça em relação ao gerenciamento dos recursos naturais no Brasil já está gerando idéias no mínimo perigosas por parte do candidato da União Européia (EU) à diretoria-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), o francês Pascal Lamy, que defende a criação de regras para a gestão coletiva da Amazônia e outras florestas tropicais. É bom começar a abrir o olho!

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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