bocadomangue Mario Moscatelli

Homo fecalis

Enquanto o canal da avenida General Garzon continua com sua triste sina de vomitar esgoto na Lagoa em plena luz do dia diante de milhares de pessoas, enquanto a CEDAE nega que aquilo seja aquilo chegando às águas da Lagoa, enquanto a maioria das praias de minha cidade estão impróprias para o banho devido à chegada de esgoto, sem que esteja chovendo há mais de uma semana, enquanto “experts” ambientais afirmam religiosamente que NUNCA existiram manguezais na Lagoa e conseqüentemente por ser uma vegetação “exótica” após quinze anos de projeto de recuperação, exigem a sua retirada, nosso moderno cotidiano é rico em informações dos mais variados tipos e qualidades.

Os números então são o reflexo de uma sociedade que está baseada em estatísticas, tendências, modelos, enfim tudo envolvendo uma infinidade de números. Dentre eles gostaria de destacar alguns obtidos de variados meios de comunicação:
1- Taxa anual de desmatamento na região amazônica cresce 6%, alcançando 25.000 quilômetros quadrados/ano – área superior à do estado de Sergipe;
2- Estima-se o conhecimento/identificação de 1.744.000 espécies vivas, sendo que se estima que existam pelo menos 14.000.0000 de espécies;
3- O Brasil, país considerado de megadiversidade, tem atrelado 45% de seu Produto Interno Bruto aos recursos naturais (florestas e pescado) e ao agronegócio, associados a 31% de suas exportações;
4- 80% dos 5.560 municípios brasileiros afirmam ter algum tipo de problema ambiental;
5- 65% das ações do Ministério Público são contra prefeituras relacionadas com problemas ambientais;
6- O esgoto a céu aberto foi a principal alteração ambiental indicada entre os 2.263 municípios entrevistados;

7- Mais de 100 milhões de brasileiros não contam com rede de esgotos;
8- O governo federal corta 84% dos gastos que seriam efetuados com projetos de saneamento básico, isto é, dos 6.1 BILHÕES DE REAIS aprovados no orçamento, só 988 MILHÕES estão disponíveis;
9- Estima-se que para cada 1 dolar investido em saneamento, economizam-se 3 dólares em saúde;
10- 77% dos municípios do estado do Rio de Janeiro têm problemas com a poluição do recurso água;
11- 63% dos municípios do estado do Amazonas têm problemas com a poluição do recurso ar;
12- O tráfico de animais silvestres tem um mercado potencial de mais de 50 milhões de consumidores;
13- 71% dos entrevistados pelo IBOPE para pesquisa encomendada pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, afirmam que o Brasil não respeita o meio ambiente;
14- Tráfico de animais movimenta 1.5 BILHÕES DE DÓLARES;
15- 75% dos entrevistados pelo IBOPE para pesquisa encomendada pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, afirmam que o Brasil corre o risco de ser invadido em função de suas riquezas naturais;
16- 39% e 18% dos entrevistados pelo IBOPE para pesquisa encomendada pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, afirmam que o trabalho das ongs é respectivamente POUCO OU NADA CONFIÁVEL;
17- O Brasil é o segundo país em mortes por armas de fogo, ficando atrás apenas da Venezuela;
18- Mais de 1/3 (35%) de todos os manguezais no mundo desapareceram;
19- A partir de 1980, 20% dos recifes de coral se perderam e outros 20% foram degradados;
20- Amazônia já perdeu 16% de suas florestas;
21- Sem refúgio, 600 espécies rumam para a extinção, sendo a Mata Atlântica entre as áreas com mais animais sem proteção;
22- Os serviços efetuados pela natureza gratuitamente foram calculados em 33 trilhões de dólares por ano, quase o dobro do PIB de todas as nações.

E aí satisfeitos com esse desfile de números frios? Frios no entanto dão uma ligeira idéia do que nossos administradores públicos, nas esferas federal, estadual e municipal bem como nossa sociedade quase que completamente entorpecida vêm deixando acontecer seja por omissão e ou ação com nossos recursos naturais.

O que é claro é que a tal da economia dita todas as regras por mais insustentáveis ambientalmente que sejam. Aprisionados em redes de incompetência, impunidade, corporativismo, rabos presos, psicoses, onde todo mundo é amigo e inimigo de todo mundo ao mesmo tempo, onde nunca se sabe de que lado do balcão o administrador público está, onde reclamar publicamente por serviços muito bem pagos e NUNCA recebidos é quase que um pecado mortal, punível com prisão por desacato, afundamos num mar de mediocridade por quase completa falta de reação. Digo quase, pois o exemplo da população de Rondônia diante dos esquemas envolvendo apoio político em troca de apoio econômico veio à altura da falta de vergonha na cara da classe política.

Pois é, assim mesmo, apesar dessa M de classe política, continuo acreditando no processo democrático que me garante escrever essas linhas sem que com isso tenha de ser preso. Cabe a nós democraticamente escolher o que tiver de melhor e expulsar o que há de pior.

O que precisamos urgentemente é tomar posições agressivas e objetivas em relação aos problemas ambientais que nos atingem diariamente, seja nas praias, nas lagoas, baías, rios e no ar que respiramos. Não podemos continuar aceitando o derrame de milhões de reais em propaganda em horários nobres mostrando uma qualidade de serviço que só existe no comercial, diante de um processo de degradação generalizado onde às verbas para as questões de ordem ambiental parecem não afligir os “experts” em economia, que arrotam para a felicidade geral do mercado financeiro, que é quem manda no mundo dos homens, sucessivos superávits primários com taxas de juros estratosféricas para pagar uma dívida impagável onde o passivo ambiental só faz aumentar.
Reitero a necessidade do envolvimento emergencial das forças armadas brasileiras no que eu considero interesse nacional, isto é, o gerenciamento dos biomas e seus respectivos recursos naturais. Sem eles qualquer política de meio ambiente não vai passar de história para carochinha nessa terra onde o que ainda impera é a cultura do pau-brasil, usar até acabar.

Sem dúvida, estamos no caminho da criação de nova espécie de antropóide no Brasil, isto é, Homo fecalis, aquele que só pensa, fala, faz e vive nela.

Mais uma vez a decisão é só nossa.

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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