Faz quinze anos.....
Antecedentes Era 1986, 87, com aquele sintoma de estar sempre fora do tempo do seu tempo, quase sempre sozinho, buscando um mestre, algo como um Obi Wan Kenobi que pudesse me orientar naqueles momentos tão vazios e angustiantes. Levando uma conversa com meu irmão, ele me aconselhou a ler “A arte cavalheiresca do arqueiro zen”. Depois desse muitos outros vieram na mesma linha bem como o “Tao da Física”, “Ponto de Mutação”, “Erva do diabo” me acompanhando em solitárias leituras nas filas de sessão de meia noite nas pré-estréias do falecido cinema Art-Coapacabana. Claro que por trás de tudo isso, desde meus quatorze anos em 1978, estava a mitologia do “Guerra nas Estrelas”.
Não demorou muito para que a resposta surgisse dos que estavam acostumados primeiro a derrubar, construir e depois, quem sabe, pedir as devidas licenças. Em junho de 1989, na semana do meio ambiente a prefeitura local expediu uma série de embargos, bem como anulações de loteamentos e ainda entrando junto com o Ministério Público contra as empresas degradadoras. O que mais trazia pressão para o departamento, era que muitas das obras e loteamentos e marinas embargadas tinham sido licenciadas por órgãos ambientais estaduais, sendo que a atuação do IBAMA era praticamente nula naquele período. Enfim a partir de outubro de 1989 as ameaças veladas começaram a se tornar mais diretas. Telefonemas para a casa de meus pais no Rio de Janeiro avisavam que no dia posterior eu estaria morto e todas as demais baixarias possíveis feitas por quem se sujeita a ameaçar alguém covardemente por telefone. Daquela data em diante foram muitas e idas e vindas de Angra morto de medo, dormindo na casa dos pouquíssimos e verdadeiramente amigos, enfrentando a desconfiança dos que até então eram colegas de trabalho, principalmente quando você convidava a galera para ir almoçar e praticamente ninguém aceitava o seu convite. Sentar de frente para a rua, andar armado sem nunca ter dado um tiro, ficar alerta constantemente, ligado em tudo e em todos a sua volta, ter medo de uma forma sufocante e insuportável. Toda aquela situação era na minha cabeça completamente nova, absurda, pois eu 12 meses antes presenciava pela televisão o assassinato do seringalista Chico Mendes em dezembro de 1988 e agora eu é que estava meio de um tiroteio generalizado de fato bem como político. Lembro de umas reuniões onde o pessoal do partido se reunia no convento para discutir a situação das ameaças que também envolviam o então vice-prefeito, e os papos de alguns intelectualóides eram do tipo “ a direita, os setores reacionários do capital não vão dar um cadáver nesse momento para a esquerda....”. Eu ouvia aquele repertório ideológico e concluía que o tal cadáver era eu! epa! e concluía com meus botões, que eu estava ali apenas para cumprir a lei e não para virar mártir de porra nenhuma, muito menos de um bando de intelectualóides de merda que na maioria das vezes me chamava de individualista! Esse era outro “probrema”. Nunca fui de ter muita paciência com reuniões e mais reuniões, onde no final das contas a “análise em grupo” não resolvia porra nenhuma. Aí, ficou resolvido depois de muita “terapia em grupo” que o errado era eu, pois eu precisava “diluir responsabilidades”. “Tá” certo então? “Então quando for tomar uma atitude você avisa a fulano e cicrano que eles vão te acompanhar...” Eu avisava, alguém aparecia? Pode ficar esperando deitado! Aí eu ia e fazia o que tinha de ser feito e conseqüentemente quem ia para o “abate” era o Moscatelli individualista. As
ameaças não paravam de acontecer,
todas vinham a cada vez que eu resolvia vistoriar os empreendimentos que
mesmo embargados continuavam com
a degradação. Era bater e valer! Visitava, dava uma dura e
na madrugada seguinte o telefonema tocava no Rio na casa de meus pais. E
assim foi até junho
de 1990 quando entidades ambientalistas, deputados estaduais, dentre os quais
ressalto a participação decisiva de Luís Paes Selles
e Carlos Minc, bem como do partido verde alemão viabilizaram minha “extradição
preventiva” para a Alemanha no dia 12 de junho de 1990, em plena Copa
do Mundo. Quem
ameaça por
telefone, não
mata!” Quando tentei após essa pérola ainda conseguir
algum tipo de apoio, tomei uma sonora cutucada por debaixo da mesa do Alfredo
Sirkis
que me acompanhava e apoiava nessa visita, como quem diz, aqui a gente
não
arruma mais nada. Fui com medo e voltei com ele. Continuei por Angra até junho de 1991 quando recebi o último lote de ameaças e quando senti que naturalmente eu já vinha sendo devidamente fritado politicamente no município. Naquele período final, eu só conseguia ir à Angra com escolta policial, visto que a OAB havia solicitado ao então governador do Estado do Rio de Janeiro, garantias de vida para a minha situação, e enquanto eu doava na secretaria de planejamento inúmeros equipamentos comprados com dinheiro obtido da viagem, vereadores exigiam que o “biólogo funcionário fantasma” fosse imediatamente exonerado. Antes de ser expulso, pedi para sair. Fiquei com medo ainda por um bom tempo, cheio de manias, com depressão, enfim com tudo aquilo que qualquer criatura submetida a toda sorte de sacanagens que envolvem estas situações pode ficar. Acho engraçado, para não dizer ridículo, um determinado pessoal (não todos) que acha bonito dizer que é ameaçado ou a “gente se acostuma com isso”. Ou eu sou frouxo e eles são machões, ou essa rapaziada não sabe o que é ouvir alguém te dizer que vai ter matar ou que estão preparando uma cilada para te pegarem. Tem um gosto amargo, teu estômago embola, a boca fica seca e você apenas fica pensando, o que eu estou fazendo aqui? Pois é, faz quinze anos e hoje mais velho com quase 41 anos e ainda ouvindo o Legião Urbana, ainda sinto o vazio, a angustia de ver tanta coisa errada, tanta gente adormecida, tanta roubalheira e impunidade espalhada por todo canto. Minha paciente mulher conclui que ainda não consegui passar da crise da adolescência e minhas filhas dizem sou um grosso ou carinhosamente um “australopitecus muderno”. Não procuro mais Obi Wan, recupero manguezais e pressiono para que nossas lagoas e baías sejam tratadas com mais respeito e o poder público com suas “auturidadis” trabalhem de fato para o bem público. Olho
para o céu e procuro Órion,
sinto saudades de meus pais e sinto tê-los feito sofrer
tanto por aquele período, mas também
sinto seu perdão em cada muda plantada. Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br |
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