bocadomangue Mario Moscatelli

Estão com fome? Então destribuam brioches para o povo.

 

Essa antiga frase resume bem a indiferença, a falta de sensibilidade, à falta de responsabilidade, à falta de vergonha de boa parte da classe política brasileira para com o estado de calamidade na qual encontram-se chafurdadas áreas estratégicas para o desenvolvimento de qualquer nação, dentre as quais ressaltam-se a educação, a saúde e o meio ambiente. Todas em petição da mais absoluta miséria no país dos superávits.

É sempre bom lembrar que globalmente, estima-se que existam 14.000.000 de espécies animais e vegetais, das quais apenas estão identificadas aproximadamente 1.700.000 espécies, isto é, conhece-se muito pouco do que existe e com toda certeza estamos nesse exato momento destruindo nem ao menos aquilo que tivemos oportunidade de conhecer, mais ou menos parecido com o incêndio da lendária biblioteca de Alexandria.

O Brasil é considerado um país megadiverso e a cidade do Rio de Janeiro nasceu no bioma denominado Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados do planeta que antes da chegada do explorador europeu, cobria 17% do atual território nacional. Reduzido entre 6 à 7% de sua área original, menos de 2% estão protegidos dentro de unidades de conservação, que na prática, pelo menos na região metropolitana do Rio de Janeiro, não representam grande vantagem aos frangalhos isolados e não gerenciados, que sobraram da área original. Representado por variados tipos de ecossistemas como a floresta ombrófila densa, restingas, manguezais e brejos, todos sem exceção vêm sendo mutilados pela incapacidade gerencial do poder público como da apatia inercial de toda a sociedade.

A polêmica que envolve a Área de Proteção de Marapendi dá a idéia da confusão e da falta de objetividade que envolve o gerenciamento ambiental em nossa cidade.

Segundo alguns, as alterações aprovadas pela câmara de vereadores são inconstitucionais, segundo outras opiniões o tombamento estadual é um bom caminho para a “preservação do ecossistema”, para “cicranos” a inviabilização do uso promoverá a “favelização” da área, enfim o que se houve é um mar de boas intenções por todos os lados, onde se tenta passar uma idéia de “virgindade lagunar” perdida há muito tempo no prostíbulo político da incompetência gerencial.

A pergunta é: Vocês já navegaram pela laguna de Marapendi? Pois bem, eu faço essa navegação desde 1992 e de lá para cá só vejo as coisas piorarem não apenas em Marapendi, como em todo o sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá, e NUNCA encontrei nenhum dos experts e “ambientalistas de auditório” que muitas vezes enchem a boca para falar em meio ambiente, trilhando as inúmeras áreas degradadas da baixada.

Falando de forma prática, reafirmo que tecnicamente o tombamento da APA de Marapendi não é o instrumento adequado para colocarmos aquela unidade de conservação para existir na prática. O tombamento serve única e exclusivamente para gerar a possibilidade de trocas de idéias, ouvir sugestões enfim fazer, salvo engano1, o que a câmara de vereadores deveria ter feito e não fez. Fora isso, precisamos tratar o assunto de forma objetiva, com as seguintes questões emergenciais, onde arrisco em seguida possíveis respostas:
1- A APA existe de fato? Não, como tantas outras unidades de conservação, a APA de Marapendi é outro “parque de papel”.
2- Qual a dotação orçamentária disponibilizada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente para aquela unidade municipal no ano de 2005 e para 2006? Duvido que exista algum recurso destinado especificamente para a APA como para boa parte das unidades de conservação sob a tutela estadual e federal.
3- Existe conselho gestor? Pelas últimas notícias, após inúmeros anos desde a criação da APA, o conselho gestor está em fase de criação, nascido muito provavelmente em virtude da recente polêmica.
4- Existe fiscalização? Se existe, desde 1992, apenas notei sua existência três vezes.
5- Existe monitoramento contínuo da qualidade da água? Existiu, mas salvo engano2, atualmente as águas de Marapendi estão sem monitoramento contínuo e conseqüentemente sem condições de um gerenciamento efetivo de sua fauna aquática, vítima de periódicas mortandades.
6- Existe algum impedimento ambiental para o aproveitamento econômico da APA? Não, desde que a atividade proposta seja efetuada nas áreas identificadas pelo zoneamento para tal uso, associada preferencialmente ao produto ambiental local e que sua utilização se dê de forma sustentável, isto é, sem matar a galinha dos ovos de ouro. Ressalta-se que qualquer proposta de aproveitamento imobiliário de qualquer natureza nas áreas destinadas para tal uso dentro da APA, deverá passar por Estudos de Impacto Ambiental, sua análise pelos diversos órgãos ambientais bem como por todo o tipo de questionamento público cabível no sentido de aprimorar ao máximo o uso da área, sempre visando à melhoria do lastimável atual estado de abandono.

O que acontece em Marapendi é o reflexo do que foi noticiado pela mídia no Parque Nacional de Jurubatiba, situado no norte do estado do Rio de Janeiro, onde após vários anos de profundos estudos desenvolvidos pelo Departamento de Ecologia da UFRJ, o governo federal criou o “primeiro parque de restinga do mundo”. Tá tudo muito bem, muito bonito! Placa, inauguração, autoridades, matéria no jornal e cadê o dinheiro para regularização fundiária, pessoal especializado, equipamentos e tudo mais que uma unidade precisa? “Ah, isso fica para depois”, deve ter pensado a autoridade após os comes e bebes. Pois bem, completando a tragédia, o atual gerente do IBAMA/RJ, na mesma matéria informa que por meio de medidas compensatórias, algum “dim-dim” vai regar a horta do parque. O triste da notícia é que, na declaração do IBAMA, flagra-se que não há dotação orçamentária para aquele importante parque, bem como para todas as demais unidades de conservação de nosso estado, onde salvo engano3, as mesmas aguardam ansiosamente que alguma tragédia ambiental se abata em algum outro lugar para que migalhas das medidas compensatórias possam chegar em forma de algum investimento para o paciente moribundo.

Prezados leitores, são diárias as notícias que chegam de todos os pontos do planeta, que o mesmo já está claramente respondendo as interferências humanas em seus sistemas de homeostase. São refugiados ambientais em ilhas que são inundadas pela elevação dos oceanos, são alterações nas correntes do golfo do México, provocando queda das temperaturas em parte da Europa, degelo por toda parte, e aí fica a solitária pergunta para você que tem ou terá filhos:

Em que mundo você deseja que seus filhos e filhas vivam?

É essa a cidade que você queria que seus filhos e filhas vivessem?

É para isso que pagamos a maior carga tributária planetária?

Marapendi é apenas a ponta de um gigantesco iceberg, de incompetência, falta de vontade política, apatia, resignação e principalmente de miopia de um futuro que já chegou e traz consigo nossos piores pesadelos tanto localmente como globalmente. Cabe a todos que tem um mínimo de compromisso de fato com quem amamos, tomarmos alguma atitude enérgica e para já.

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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