bocadomangue Mario Moscatelli

Artigo de novembro

"CRISTO REDENTOR, BRAÇOS ABERTOS SOBRE A GUANABARA..., RIO VOCÊ FOI FEITO PRA MIM,...."
- Tom Jobim
"RIO 40 GRAUS, CIDADE MARAVILHA, PURGATÓRIO DA BELEZA E DO CAOS........"
- Fernanda Abreu

Entre as duas letras, pouco mais de 20 anos as separam, pouco tempo mas profundas e terríveis mudanças.

A cidade do Rio de Janeiro recebeu o elogioso e mais do que merecido adjetivo de Cidade Maravilhosa em virtude do patrimônio ambiental que possuía. Constituído pela exuberante Mata Atlântica que cobria seus maciços montanhosos, suas planícies, que se misturava aos manguezais, restingas, lagunas, brejos e praias, e que de forma integrada produziam o mais excepcional dos espetáculos ambientais, refletida na qualidade de vida de seus moradores. Ser carioca era sinônimo de felicidade, pois se vivia numa cidade Maravilhosa! No entanto tudo que abunda um dia escasseia, e embalados na perversa cultura do pau-brasil, baseada no uso e abuso do recurso natural até o eu esgotamento, o que seria impensável no início do século passado, aconteceu.

A região metropolitana do Rio de Janeiro é atualmente, uma região arrasada ambientalmente! Após praticamente setenta anos de intenso abuso dos recursos naturais da região, hoje o que predomina é o uso desordenado do solo, com a criação de conglomerados de favelas, loteamentos clandestinos das mais diferentes classes sociais, uso de todos os corpos d'água abaixo da cota 30 metros como receptores intermediários e ou finais de esgoto in natura, com diretas conseqüências na qualidade de vida da população metropolitana.

Exemplos vivos do que afirmo podem ser constatados em diferentes regiões:

Caso 1 - Baía de Guanabara - Historicamente palco das principais agressões ambientais da região metropolitana, a mesma foi agraciada pelo PDBG (Programa de despoluição da Baía de Guanabara), visando teoricamente a recuperação da baía que havia se transformado numa gigantesca cloaca. Atualmente graças ao referido programa existem gigantescas estações de tratamento de esgoto, onde falta matéria-prima fecal para que as mesmas funcionem a toda carga, visto que a administração estadual passada, "esqueceu" de instalar a rede coletora, que constituiria a contrapartida "tupiniquim".

Enquanto isso, as mesmas autoridades estaduais inauguravam as estações com dinheiro japonês. Visando dar a grandiosidade de nossa incompetência administrativa no que diz respeito ao gerenciamento de nossos recursos naturais, recentemente uma equipe japonesa esteve no Brasil visando avaliar o programa, constatando que a região da Baía de Guanabara compreendida entre o Caju (Rio de Janeiro) e rio Estrela (Magé) pode ser caracterizado como um mar de esgoto.


Caso 2 - Baixada de Jacarepaguá - Nas últimas três décadas na baixada de Jacarepaguá, criou-se uma cidade de aproximadamente 1.000.000 de habitantes, onde apesar do Plano Lúcio Costa e de qualquer outra tentativa de mostrar que no Rio de Janeiro havíamos aprendido alguma coisa às custas de quase quinhentos anos de degradação ambiental, tais tentativas foram completamente atropeladas mais uma vez pela cultura do pau-brasil. Encabeçado pelo slogan "SORRIA VOCÊ ESTÁ NA BARRA", um dos mais belos complexos litorâneos de nossa cidade foi convertido em menos de trinta anos, na segunda maior cloaca de nossa cidade. Rodeadas por favelas, centros comerciais e empresariais e loteamentos de classe A, a "Miami tupiniquim" paulatinamente transformou o sistema de cinco lagoas da região em gigantescos lixões e cloacões a céu aberto, que transportam diariamente os milhares de metros cúbicos de esgoto e lixo despejados em suas águas à praia da Barra.

Outros exemplos se multiplicam seja no norte e sul fluminense, onde o crescimento desordenado da malha urbana, associado intimamente com a falta da infra-estrutura básica de tratamento de esgoto e coleta e deposição adequada de resíduos sólidos, vem repetindo o desastre ambiental que hoje vivenciamos na região metropolitana do Rio de Janeiro. Até mesmo a bacia hidrográfica do rio Guandu, responsável pelo abastecimento da maior parte da região metropolitana, apresenta-se completamente sucateada pela extração de areia predatória, instalação de lixões em suas margens, lançamento de esgoto, enfim num verdadeiro suicídio ambiental e econômico.

Os culpados do paraíso ter se transformado nisso que temos atualmente, variam da classe política constituída por indivíduos que em sua maioria usaram este pedaço de paraíso em detrimento exclusivamente dos seus projetos políticos pessoais, da sociedade que durante anos aceitou e ainda se cala diante do processo de degradação sem ao menos exigir o mínimo em retribuição ao confisco fiscal efetuado pelo ineficiente poder público e finalmente a já comentada cultura do pau-brasil trazida pelos exploradores europeus e até hoje profundamente enraizada nas relações de nossa sociedade com os recursos naturais ainda existentes.

Mas afinal, então não tem mais jeito? A guerra esta perdida? Acho que não, mais tenho a certeza que a reversão deste período de bota abaixo ambiental será um processo lento e doloroso, onde além de lutarmos para modificarmos nossa cultura, além de assumirmos uma postura mais exigente quanto à qualidade técnica de nossos administradores públicos, com uma atitude mais participativa na melhoria da vida de nossas cidades, tendo de vencer dentro e fora do poder público os corporativismos que se alimentam da degradação e da terceirização de nossa cidadania, teremos principalmente de reverter o processo histórico de concentração de renda que gera e incentiva a miséria, a violência e tudo mais que degrada a espécie humana e esse oásis que flutua no espaço.

A decisão seja no Rio de Janeiro, seja no resto do planeta é e continua sendo nossa Lembrando que nunca haverá desenvolvimento econômico justo sem justiça social e qualidade ambiental e que a bomba relógio ambiental criada por nossa sociedade, já foi ligada, cabendo a nós retardar sua detonação e tentar reduzir seus estragos no momento de sua explosão.

MARIO MOSCATELLI - moscatelli@biologo.com.br

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