início bocadomangue Mario Moscatelli

NÃO SEI DE NADA.....

Lembro como se fosse hoje, numa doce manhã de 1979, quando argüi a professora de português a respeito de assunto político e a mesma me respondeu com jeito assustado que não sabia de nada. Provavelmente fruto dos anos de chumbo da ditadura militar que ainda vigorava naqueles doces anos de minha adolescência transcorridos no ginásio Guido de Fontgalland, a mesma se borrou de medo imaginando que por trás daquela pergunta e daquele adolescente CDF existisse uma conspiração do DOPS (órgão de repressão dos subversivos da época).

Pois bem, muitos anos se passaram desde então, mas sempre me ensinaram dentro de casa e pelos colégios que estudei que não existe outro caminho a trilhar se não o de assumir o que se faz, tomando conhecimento de suas responsabilidades e no caso de dar algum “curto circuito”, assumir o problema e resolvê-lo.

Parte do lixo encontrado

Dentro desta postura, quase que me ferrei feio em Angra dos Reis, quando assumi o cargo de chefe do departamento de controle ambiental local. Visto que era o responsável pelo meio ambiente local, logo anulei todas as licenças ambientais fraudulentas que órgãos ambientais estaduais emitiam na época com extrema cara de pau.

Dentro da prefeitura, após as primeiras reações dos insatisfeitos com as medidas legais tomadas, eu era considerado o individualista, o exibicionista e por isso estava amargando pelas minhas ações. Diante desta explicação dos experts do partido do cefalópode, solicitei qual a forma correta então de agir. De pronto me explicaram que na hora de agir, a tal ação deveria ser conversada em grupo e só depois em grupo tomada atitude prática. Ingênuo como Eremildo o famoso idiota, lá fui inúmeras vezes colocar no tal maldito colegiado os problemas de natureza ambiental que acabavam sendo sempre atropelados por calorosas discussões teóricas sobre pensadores disso e daquilo, onde eu acabava dormindo e tendo a certeza após a quarta reunião que de lá não sairia nenhuma ação concreta. Daí o sangue subia à cabeça e eu diante da degradação de manguezais e costões rochosos, partia junto com minha pequena equipe “para dentro”, emitindo multas, embargando, acionando o ministério público e acabando sendo escorraçado de Angra dos Reis após dois anos e meio de trabalho.

Recomeçando na Lagoa com o plantio de manguezais, sonhando com a paz perdida, pensei que por lá nada haveria de me acontecer. Errado mais uma vez, pois das galerias de águas pluviais escoava óleo e esgoto. É claro que os órgãos ambientais na época mais uma vez como em Angra dos Reis nada sabiam. O que? Óleo na Lagoa? Impossível! Esgoto pelas galerias de águas pluviais? Impossível! Esse rapaz quer se promover! E por aí fomos no bate-boca com essa corja até que em 2000-2002 pereceram sob a batuta da incapacidade gerencial e da certeza da impunidade administrativa, aproximadamente 400 toneladas de peixes que segundo o litlle boy tal evento se dava em virtude do excesso de peixes.

Lixo hospitalar
" Inicialmente dei de cara com esgoto, depois com lixo domiciliar, mais a frente com cama, cadeira, televisões, sofás, brinquedos, um pouco além com gigantescas ilhas de lama e lixo, mais um pouco a frente com gigogas e algas tóxicas e finalmente em 2006 com resíduos hospitalares. Na minha lista agora só está faltando material radioativo e pedaços do último ônibus espacial que explodiu. "

A explicação politicamente clara da “auturidadi” máxima “du istadu” é que os peixes tarados, ninfomaníacos que só pensavam em trepar sem parar num frenesi sexual foram conduzidos à morte! Duro de se ouvir e muito mais de se pagar por tanta burrice e incompetência junta. De todos os órgãos só se ouviam explicações estratosféricas para explicar o facilmente explicável. Os peixes morriam pelo patê de fezes que havia se transformado a água da Lagoa. Mas sobre isso as “auturidadis” nada sabiam...

Um lixo muito perigoso

Desde 1992 venho acompanhando a agonia das lagunas do sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá. Inicialmente dei de cara com esgoto, depois com lixo domiciliar, mais a frente com cama, cadeira, televisões, sofás, brinquedos, um pouco além com gigantescas ilhas de lama e lixo, mais um pouco a frente com gigogas e algas tóxicas e finalmente em 2006 com resíduos hospitalares. Na minha lista agora só está faltando material radioativo e pedaços do último ônibus espacial que explodiu.

Pois bem, como de praxe, de tudo que foi visto nesses 14 anos de navegação fecal, NUNCA ouvi oficialmente de algum órgão ambiental que os encontros de “terceiro grau” tidos nas lagunas já haviam sido detectados anteriormente. Após cada uma das centenas de denúncias, sempre vinha aquela nota protocolar já até gravada pela assessoria de imprensa do órgão X. Y ou Z dizendo que iriam ao local para fazer não sei bem o que.

No caso dos resíduos hospitalares que venho colecionando morbidamente há três meses, recolhidos das margens e do espelho dágua das lagunas de Jacarepaguá, Camorim e Tijuca, mais uma vez o órgão ambiental X do estado do Rio de Janeiro, informa que nada sabia sobre o assunto até aquele momento e provavelmente vai continuar sem saber, visto que em seguida aparece outro abacaxi ambiental que também não vai ser resolvido, pois “nada sabemos dele”, e empurra-se com a barriga essa imensa massa falida ambiental chamada cidade do Rio de Janeiro.

lixo hospitalar

Saliento que nós merecemos a merda de serviços prestados por esse gigante atrofiado, falido, mentalmente comprometido e extremamente guloso por tributos chamado “poder pútrido” pois nada fazemos para exigir melhorias. Não nos revoltamos, não invadimos as torres de controle, não invadimos as pistas de decolagem, não invadimos as prefeituras, não invadimos porra nenhuma, pois somos geneticamente e culturalmente um bando de cornos mansos.

Então dentro dessa ótica do “eu não sei de nada” ou “não quero me envolver com isso”, muito desenvolvido nesses dois últimos anos pelas “auturidadis cefalopodiais” bem como transformado em epidemia em Pindorama, onde quando dá merda, ninguém é pai do filho feio, e quando existe um pai o mesmo é geralmente primogênito de algum laranja, desafeto ou colaborador em processo de fritura, tome cuidado ao ir à praia da Barra próximo ao Quebra-Mar. Nesse verdadeiro ânus lagunar e em sua periferia fecal, além da merda que bucolicamente escoa a cada baixa-mar, você poderá, nessa roleta russa no qual se transformou nosso dia a dia na cidade sem ordem, dar uma topada ou quem sabe ter sua bunda furada por uma seringa que vingativamente por tanta brochura coletiva resolveu se vingar em sua saúde.

Colhemos o que plantamos:
Políticos incompetentes e corruptos, esgoto, gigogas, algas tóxicas, lixo doméstico e agora lixo hospitalar.

Mario Moscatelli - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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