#8 - Pequi Caryocar brasiliense Cambess. Outros nomes regionais e locais são piqui, piquiá-bravo, amêndoa-de-espinho, grão-de-cavalo, pequiá, pequiá-pedra, pequerim, suari e piquiá. Família Caryocaraceae
O pequizeiro é uma árvore que habita cerrados, cerradões e matas secas ao longo de todo o bioma Cerrado, sendo que queimadas recorrentes podem manter o pequizeiro na forma de subarbusto, em campos sujos; possui ramos (Fotos 2A e 2B) grossos normalmente tortuosos, casca cinzenta com fissuras longitudinais e cristas descontínuas; folhas são compostas, trifolioladas; opostas (desenvolvem-se duas de cada nó do ramo); os folíolos podem medir até 20 cm de comprimento e são recobertos por densa pilosidade, assim como as extremidades dos ramos; suas flores (Foto 3) de até 8 cm de diâmetro, são hermafroditas, compostas por cinco pétalas esbranquiçadas, livres entre si, com numerosos e vistosos estames (masculinos). O pequizeiro floresce durante os meses de agosto a novembro, com frutos (Foto 4A e 4B) madurando a partir de setembro (normalmente novembro) até o início de fevereiro. O pequizeiro é uma árvore de múltiplos valores: ecológico, cultural, gastronômico, medicinal, econômico...
A utilização terapêutica do pequi não está restrita à medicina popular. Nas últimas décadas, tem sido observado um aumento acentuado de infecções fúngicas, as quais contribuem para uma elevada taxa de mortalidade em pacientes imunocomprometidos. A criptococose causada por Cryptococcus neoformans é considerada micose oportunista, freqüentemente diagnosticada produzindo lesões principalmente no sistema nervoso central em pacientes com AIDS. Em trabalho publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, foi descrita a atividade antifúngica das folhas (extrato bruto etanólico, fração acetato de etila e cera epicuticular), dos dois principais componentes presentes no óleo essencial das sementes, além dos óleos fixos da amêndoa e da semente de pequi sobre isolados de C. neoformans var. neoformans e de C. neoformans var gattii. Foi verificado neste trabalho que a parte mais ativa contra os fungos é a cera epicuticular da folha, coletada no período da seca, inibindo o crescimento de 91,3% dos isolados de fungos. Na mitologia xamãnica dos Wauja, povo que habita o Alto Xingu, Barcelos Neto relata que o Jacaré e o Beija-flor são “donos” (wekeho) do pequi, o primeiro em função dessa fruta ter se originado de seus testículos e o segundo por ter uma predileção pela fruta e, em função disso, tersido um dos primeiros Animais a cultivá-la. Wekeho é a dimensão espiritual relacionada aos seres corpóreos, o “dono” concede (material ou espiritualmente) ao mesmo tempo em que protege os recursos. Estudo realizado com o povo Teréna, do Mato Grosso do Sul, revelou que 67,2% coletam frutos silvestres. Dentre os frutos coletados foram identificados a bocaiúva (Acrocomia aculeata), araticum (Annona dioica), jatobá-do-cerrado (Hymenaea stigonocarpa), jenipapo (Genipa americana), coroa (Mouriri elliptica), buriti (Mauritia flexuosa), pequi (Caryocar brasiliense), jurubeba (Solanum paniculatum) ingá (Inga uruguensis), guariroba/gueroba (Syagrus oleracea), araçá (Psidium guineense), urucum (Bixa orellana) e caraguatá (Bromelia balansae). A captura de animais e coleta de frutos silvestres é feita com dificuldades devido à limitação da área na reserva.
O pequi integra a base cultural do centroeste brasileiro, sendo um elemento essencial na culinária regional do Cerrado. “Arroz com Pequi” é o prato típico do Goiás, onde o fruto também é tradicionalmente preparado em gordas e saborosas galinhadas. O emprego do pequi na dieta da população cerratense já tem mérito terapêutico, uma vez que é excelente na prevenção e combate à hipovitaminose A. Além do pequi, tucumã (Astrocaryum aculeatum), a macaúba (Acrocomia aculeata), a pupunha (Bactris gasipaes), o dendê (Elaeis guineensis) e, especialmente o buriti (Mauritia flexuosa) são ainda outras importantes fontes regionais de carotenóides no Brasil.
Na Central de Abastecimento de Goiás (CEASA-GO) foram comercializadas 2.800 toneladas de pequi in natura, no ano de 2002, com preço médio de R$460,00 a tonelada. Atualmente podemos encontrar nos comércios urbanos pequi em conserva, em pasta ou na forma de licor, sorvetes e picolés. No município de Japonvar, região norte de Minas Gerais, foram observadas quase 50 espécies de insetos herbívoros de vida livre associadas ao pequizeiro. São dezenas de espécies de insetos que têm nos ramos, folhas e seiva do pequizeiro essencial fonte de nutrientes. Após publicação da Portaria Federal 54, em março de 1987, do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), hoje Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), é proibido o corte e comercialização de madeira do pequizeiro em todo o território nacional. A espécie possui madeira de excelente qualidade, estando entre as menos susceptíveis ao ataque por cupins de madeira seca, tais como o Cryptotermis brevi. O cupim de madeira seca é considerado como o mais importante do ponto de vista econômico no Brasil. Um decreto de junho de 1993, entre outras medidas, torna imunes ao corte no Distrito Federal, além do pequi, o buriti (Mauritia flexuosa), copaíba (Copaifera langsdorffii), cagaita (Eugenia uniflora), sucupira-branca (Pterodon pubescens), todos os ipês (Tabebuia spp.), entre outras espécies do Cerrado, consideradas Patrimônio Ecológico. No ano de 2001, em concurso realizado pelo Instituto Estadual de Florestas-MG, o pequizeiro foi eleito “Árvore Símbolo do Estado de Minas Gerais”. Há dezessete anos é realizada em Montes Claros, no norte do estado, a Festa Nacional do Pequi, ocasião em que moradores da região festejam o Cerrado, sob o signo desta importante espécie. O Cerrado é povoado por espécies como pequi, ipês, aroeira, gravatás e orquídeas diversas, todas valiosas economicamente, fornecedoras de uma vasta gama de produtos vegetais madeireiros e não madeireiros. Entretanto, o bioma carece de uma política ampla, que integre as diversas iniciativas produtivas e conservacionistas, com vistas a reverter o grave processo de devastação pelo qual vem sofrendo. O modelo de ocupação e “desenvolvimento” empregado para a região (semelhante a outros biomas adjascentes), de maneira geral, está dizimando um manancial de recursos energéticos, medicinais, madeireiros, ornamentais, alimentares e culturais. Governantes da região, especialmente prefeitos, têm papel chave nas mãos, com a possibilidade de implementar políticas públicas conciliando utilização produtiva de espécies vegetais nativas do Cerrado com conservação e desenvolvimento humano, em nível local. Tal como a utilização de pequi, mangaba, buriti, baru, jatobá, araticum entre outras, na merenda escolar ou em dietas hospitalares, aliado à uma política adequada de desenvolvimento rural. A sociedade também pode contribuir, optando por consumir produtos do Cerrado e utilizando espécies nativas em seus jardins. Estamos bem distantes do ideal, mas já temos opções de produtos do Cerrado: a Embrapa Cerrado, assim como diversos pequenos viveiros de mudas comercializam espécies nativas; A Rede de Sementes do Cerrado, articula iniciativas para o manejo de sementes no bioma; O catálogo do Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS), apresenta uma variedade de produtos baseados em espécies nativas e elaborados por produtores do Cerrado de maneira sustentável. Vale à pena conferir os produtos deste catálogo, bem como outros que podemos encontrar nos mercados e na internet*. É preciso que a sociedade brasileira opte por comer o Cerrado, no bom sentido, é claro! Ou como diria João Fernandes**, parafraseando Manoel Bandeira em uma de suas belas camisetas: Pequi or not Pequi? Eis a questão. *Para
obter contatos e endereços de produtores e comerciantes que trabalham
com pequi e outras espécies do Cerrado, veja a lista organizada
pela EMBRAPA-CPAC, no endereço (acessando “Produtos”):
http://cmbbc.cpac.embrapa.br Referências
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guia de campo. Brasília, Ed. Rede de Sementes do Cerrado,
278p. |
Fernando
Tatagiba, Msc. - tatagiba@biologo.com.br Biólogo/botânico. |
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