“Araticû he hua aruore do tamanho de laranjeira, e maior, a folha parece de cidreiras ou limoeiro, he aruore fresca, e graciosa, dá hua fruita da feiçaõ e tamanho de pinhas, e cheira be tem arezoada gosto, e he fruita desenfastiada”.
– Cardim, 1584 em Do clima e Terra do Brasil.
Araticum
Annona crassiflora Cambess.
Também é conhecido por marolo ou bruto.
de Fernando Tatagiba * :: Araticum é nome dado à diversas espécies da família Annonaceae, mesma da fruta-do-conde (Annona squamosa), conhecida também como ata ou pinha, dependendo da região. Pio Corrêa relata que a primeira muda desta espécie foi plantada no país pelo Conde de Miranda, na Bahia no ano de 1626.
Segundo professor, da Universidade de Brasília-UnB, em Guia de Campo para árvores do cerrado, o nome araticum é derivado do tupi, podendo significar árvore de fibra rija e dura, fruto do céu, saboroso, ou ainda fruto mole.
Descrição: Araticum
Trata-se de uma árvore (Fig. 1A), sem exsudação de látex no caule ou ao se destacar a folha, com ramos e brotos com pilosidade ferrugínea; tronco pode alcançar cerca de 40 cm de diâmetro, o ritidoma (casca) é bege ou cinzento, com fissuras e cristas estreitas, descontínuas e sinuosas (Fig. 1C); suas folhas são simples, alternas, de 5-16cm de comprimento e 3 a 12 de largura, possuem as margens lisas e nervações bem marcadas na face superior; sua consistência é bem firme (coriácea). Flores de até 4cm de comprimento, com seis pétalas livres entre si, de coloração creme ou verde ferrugínea, consistência carnosa, que pouco se abrem (Fig. 2A); são três pétalas maiores, dispostas externamente, e três menores internas; seus frutos alcançam mais de 15 cm de diâmetro e 2kg de peso, contendo muitas sementes com cerca de 1,5cm de comprimento.
Ocorre em cerrados e cerradões, ao longo de todo o bioma Cerrado.
Sua floração se dá predominantemente de setembro a janeiro e frutifica de outubro a abril (principalmente de fevereiro a março), sendo a dispersão das sementes realizada pela própria gravidade ou por animais.
Na Caatinga foi constatada a dispersão de araticum (Annona coriaceae) por formigas (Pheidole sp.) e no Mato Grosso, sementes (A. crassiflora) foram encontradas nas fezes da rapozinha-do-campo (Lycalopex vetulus), o menor canídeo das Américas, mesmo em área sem a ocorrência da árvore. Um quilo contém aproximadamente 1400 sementes, que perdem rapidamente a viabilidade se armazenadas.
A germinação do Araticum pode ser antecipada em até 36 dias e concentrada em até 3 meses após a semeadura, com o uso de ácido giberélico (GA3). Recomenda-se colocar as sementes imersas numa solução contendo 1g de Ácido giberélico por litro de água, por um período de 24h, antes da semeadura (Melo, 1993, apud Silva et al. 2001)
Quando aberto, o fruto oferece uma polpa cremosa de odor e sabor bem fortes e característicos. A polpa pode ser consumida ao natural ou na forma de batidas, bolos, biscoitos e bolachas, picolés, sorvetes, geleias e diversos doces.
“Pois, várias viagens, ele veio ao Curralinho, vender bois e mais outros negócios – e trazia para mim caixetas de doce de buriti ou de araticúm, requeijão e marmeladas.” – Guimarães Rosa em Grande sertão: veredas, pg. 115.
Receita de doce pastoso de Araticum:
Ingredientes: 1 medida de polpa de araticum, 1 medida de açúcar, 1 e meia medida de leite. Modo de Fazer: Passar a polpa por uma peneira e juntar com os outros ingredientes. Levar ao fogo numa panela até ficar pastoso. Retirar do fogo, deixar esfriar e colocar em frascos de boca larga. Fonte: Almeida 1998.
Uso medicinal do Araticum
Resultados preliminares de pesquisa conduzida por duas universidades, a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e a Universidade Católica de Goiás (UCG), revelam que o araticum e o pequi possuem fatores antioxidantes, sendo fortes aliados da população na prevenção de doenças degenerativas.
O araticum integra a medicina das populações tradicionais da região da Chapada dos Veadeiros, Goiás, que o utilizam como regulador de menstruação, para reumatismo, feridas, úlceras, câncer de pele, fraqueza no sistema digestório, cólicas e contra diarreia.
Sorveterias de Brasília e Goiânia produzem sorvetes e picolés de araticum. A espécie contribui para as economias informal e formal, durante seu período de frutificação, em todo o Cerrado.
Conservação do Araticum
É importante que pelo menos ¼ dos frutos disponíveis na área não seja coletado, de modo a não comprometer as populações naturais de araticum. Tais populações têm sido drasticamente reduzidas e isoladas, decorrência da devastação produzida pelas macro políticas de expansão agrícola, promovidas para a região do Cerrado.
De forma geral, a ocupação agrícola no bioma é concentradora de renda, além de ser um desastre do ponto de vista ambiental, ameaçando inúmeras espécies animais e vegetais, além de potencializarem processos erosivos e consequentes assoreamentos de nascentes e rios. Neste contexto, é de suma importância a organização de cooperativas e associações por pequenos proprietários e assentados rurais, para trabalharem os múltiplos recursos oferecidos pelo Cerrado.
Da mesma forma, em ambientes urbanos, é desejável a adoção de espécies nativas no paisagismo público e particular. Não é raro vermos as pessoas mandarem “limpar” seus terrenos, cortando indiscriminadamente todo o “mato” que há. Assim, o proprietário joga fora, sem ao menos tomar conhecimento, preciosidades como o araticum, o pequi, a cagaita, o jatobá, a gueroba, bromélias, orquídeas, entre outras espécies que poderiam compor os jardins de sua casa, oferecendo frutos, flores e atraindo aves com um mínimo de manutenção.
Considerações finais
Antes de mandar “limpar” seu terreno, procure saber quais as espécies de plantas já estão por lá presentes, você poderá se surpreender! Com um planejamento mínimo, é possível tornar o jardim da sua casa ou arborização de onde você mora em um pequeno “jardim botânico”, sem nem mesmo comprar uma muda de árvore.
Observe e planeje antes de intervir. Valorize os recursos do Cerrado, nele não há fome se ele a gente preza.
“O quanto em toda vereda em que se baixava, a gente saudava o buritizal e se bebia estável. Assim que a matlotagem desmereceu em acabar, mesmo fome não curtimos, por um bem: se caçou boi. A mais, ainda tinha araticúm maduro no cerrado.” – Guimarães Rosa em Grande sertão: veredas, pg. 372.
Referências e sugestões bibliográficas sobre o Araticum:
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- WWF – Notícias. Aproveitamento de frutos estimula a conservação do cerrado.
Todas as fotografias são de Fernando Tatagiba, no Distrito Federal em fevereiro de 2007.
Fernando Tatagiba, Msc. tatagiba@biologo.com.br – Biólogo/botânico :: Plantas do Cerrado
* Artigo originalmente publicado no Biólogo em 20/2/2007