Morcegos buscam florestas preservadas: mamíferos voadores encontram menos alimentos e mais predadores em matas que sofreram alterações.
Morcegos buscam florestas preservadas
10/8/2021 :: Por Gilberto Stam/Pesquisa Fapesp
Áreas desmatadas da Amazônia que se recuperaram durante 30 anos e já abrigam árvores de mais de 20 metros (m) de altura podem ser parecidas com a mata original, mas são menos atraentes para alguns animais do que as matas primárias, que escaparam de grandes interferências humanas.
Morcegos que comem insetos vivem em populações menores nas matas secundárias – as que se refizeram naturalmente – e são menos ativos em noites claras, de lua cheia, segundo estudo realizado em áreas do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), publicado em junho na revista Animal Conservation.
“Nas matas regeneradas os morcegos encontram menos insetos e menos opções de esconderijo contra predadores, como ocos em árvores antigas e copas com muitos galhos, do que nas matas primárias”, explica a ecóloga Giulliana Appel, do Inpa, principal autora do artigo. Além disso, segundo ela, a floresta regenerada, por não ser tão densa, deixa passar a luz, facilitando a ação de predadores como cobras e corujas.
Os morcegos insetívoros são dotados de um excepcional sentido de ecolocalização, um tipo de sonar que, a partir do eco de seu grito agudo, calcula a distância dos objetos. Com esse aparato, são capazes de capturar insetos em pleno voo e desviar de obstáculos dentro da floresta. Embora representem metade das espécies de morcegos, são menos estudados do que os demais, como os devoradores de frutas e néctar, importantes dispersores de sementes e polinizadores das florestas.
Menos morcegos, mais insetos
Os insetívoros que vivem em matas próximas a lavouras ajudam a controlar pragas da agricultura, além de abocanhar pernilongos e mosquitos transmissores de doenças como a dengue. “Após um longo dia no esconderijo sem comer, morcegos pequenos, que pesam 10 gramas, são capazes de devorar uma quantidade de insetos equivalente ao seu próprio peso em uma única noite de caçada”, diz o biólogo Paulo Bobrowiec, do Inpa.
Ele orientou Appel em seu doutorado, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que fundamentou o artigo da Animal Conservation. Uma colônia de 20 mamíferos alados pequenos pode ingerir 200 gramas do alimento por dia, o equivalente a 200 mil pernilongos.
“As populações de morcegos podem diminuir ainda mais em locais onde a perda da vegetação nativa é maior”, observa Bobrowiec. No PDBFF, a floresta se regenerou por pelo menos três décadas, protegida de novos desmatamentos. De uma extensa floresta primária contígua migram plantas e animais que ajudam a recuperar as regiões degradadas.
“Fragmentos de mata próximos da lavoura, onde vivem morcegos, são por si sós benéficos, porque os morcegos podem sair e se alimentar dos insetos das lavouras próximas ”, ressalta Bobrowiec.
Voando no breu da mata
Na mata primária, duas das nove espécies estudadas — Pteronotus alitonus e P. rubiginosus, com cerca de 6 centímetros (cm) de comprimento e 20 gramas (g) de peso — saíram com mais frequência para caçar nas noites de lua cheia, quando os insetos que comem passam mais tempo voando por causa da luz intensa.
Morcegos evitam florestas deterioradas
Os morcegos são as únicas espécies que se tornam mais ativas na floresta secundária em noites escuras. “Como há menor cobertura de vegetação na floresta secundária, provavelmente é mais seguro voar com menos luz”, diz ela. “Em noites claras, os morcegos ficam mais expostos aos predadores que usam a visão para caçar, como as corujas.”
Morcegos de algumas espécies são mais sensíveis à degradação ambiental, como Furipterus horrens, com 4 cm de comprimento e 3 g de peso, que desapareceram da mata secundária e dos fragmentos florestais da Amazônia. Apenas uma espécie não sofreu os impactos da transformação da mata: Myotis riparius, com 4 cm de comprimento e 4 g de peso, que manteve a atividade na mata secundária e no fragmento. É uma espécie comum que se adapta a qualquer ambiente, inclusive cidades e áreas agrícolas, onde ajuda a controlar as populações de pernilongos.