Perdemos parte de nossos mangues: 25% das áreas dos manguezais já não existem mais no Brasil. É a perda concreta de imenso valor ecológico e econômico entre terra e mar.
Perdemos parte de nossos mangues
24/3/2021 :: Por Janaína Bumbeer e Liziane Ceschim Alberti*
Um dos ecossistemas mais produtivos e generosos da Terra, os manguezais estão presentes em 338 municípios brasileiros, onde vivem 44 milhões de pessoas, o que representa 20% da população nacional.
Os benefícios econômicos dos manguezais ao Brasil podem chegar a US$ 5 bilhões, contribuindo com atividades como pesca e turismo, que beneficiam direta e indiretamente o país inteiro, além de uma série de serviços ecossistêmicos de valor incalculável.
Apesar de serem berçários marinhos fundamentais para a conservação da biodiversidade, capazes de gerar trabalho e renda para milhares de brasileiros e serem reconhecidos como grandes aliados contra os efeitos do caos climático, eles estão sob ameaça.
Em tese, a proteção aos manguezais está garantida na legislação brasileira (Leis Federais 9.605/1998, 11.428/2006 e 12.651/2012 e Resolução Conama 303/2002), mas, na prática, são vários os fatores de risco. Entre as atividades que mais trazem impactos para o ecossistema estão mineração, sobrepesca, agricultura, aquicultura/carcinicultura, descarga de efluentes não tratados, aterramento, exploração de madeira, desmatamento, ocupação irregular e expansão demográfica.
Soma-se a essa lista a deficiência na gestão de Unidades de Conservação (UCs) e a falta de fiscalização, que vem sendo agravada nos últimos anos. Estudos indicam que 25% de toda a extensão de áreas de manguezais já tenham sido perdidas no Brasil – sendo 36 mil hectares convertidos em tanques para criar camarões somente entre 2013 e 2016, conforme alerta a publicação Oceano sem mistérios: desvendando os manguezais, organizada pela Fundação Grupo Boticário.
Manguezais: imenso valor ecológico e econômico entre terra e mar
O Brasil possui cerca de 12% dos manguezais do mundo todo, contando com uma extensão de 6.786 quilômetros ao longo de 16 estados costeiros – do Amapá até Santa Catarina. Motivos não faltam para olharmos para este ecossistema extraordinário de transição entre terra e mar, inclusive do ponto de vista econômico.
Em algumas localidades, os manguezais contribuem com até 50% da pesca artesanal, alimentando o ciclo de vida de espécies marinhas de grande valor comercial, como robalos, tainhas, siris, ostras, caranguejos, entre outras.
Por que preservar os manguezais?
Sem manguezais, há redução da qualidade da água costeira, há perda do carbono acumulado e redução dos estoques pesqueiros. Estudos revelam que essas áreas sequestram 57% mais carbono do que outros tipos de vegetação tropical.
Ao proteger os manguezais também preservamos a cultura popular. Há uma riqueza de saberes tradicionais nas comunidades costeiras, onde encontramos histórias, lendas e mitos que ligam o real e o imaginário.
Um belo exemplo deste potencial criativo é o movimento Manguebeat, que renovou o cenário cultural do Recife e revelou ao Brasil grandes artistas, como Chico Science & Nação Zumbi e expoentes do teatro e do cinema, mostrando que a tradição também combina com a inovação. É importante destacar ainda a beleza cênica dos manguezais, que pode impulsionar o ecoturismo nessas áreas.
Falso dilema
Mesmo com tantas evidências a respeito da importância dos manguezais, parte da sociedade brasileira ainda insiste na dicotomia entre conservação e progresso econômico. É um falso dilema, que definitivamente não faz mais sentido. Não podemos deixar que a busca por lucros imediatos, que beneficia uma pequena parcela da população, gere prejuízos sem reparação para a maioria dos brasileiros. É sempre importante lembrar que a perda da biodiversidade não é apenas uma questão ambiental, mas também econômica, social, cultural e ética.
Parte dessa visão distorcida é alimentada pelo desconhecimento da população. Temos o grande desafio de traduzir para a sociedade o conhecimento produzido pelos cientistas, mostrando nossa ligação inseparável com a natureza. Essa percepção é particularmente desafiadora em relação à nossa conexão com o oceano. Neste sentido, a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), é muito bem-vinda e representa uma oportunidade única de ampliar nossa consciência sobre a importância dos mares para a manutenção da vida em nosso planeta.
Precisamos inovar nas formas de comunicação, estabelecendo pontes entre cientistas, governos, setor privado, meios de comunicação e todos aqueles que trabalham pela conservação da natureza. Que possamos reconhecer o valor inquestionável dos manguezais para proteger a saúde do oceano, engajando toda a sociedade para uma gestão mais responsável dos recursos naturais de zonas costeiras.
*Janaína é bióloga marinha e especialista em Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário. Liziane Ceschim Alberti é oceanógrafa e analista de Conservação da Biodiversidade na Fundação Grupo Boticário.