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Manguezais, reservatórios de carbono

Manguezais, reservatórios de carbono: as árvores dos manguezais da região Norte são mais altas que as do Sul. O contraste altera bastante a capacidade de absorver carbono, que poderia agravar o efeito estufa se liberado para a atmosfera na forma de gás carbônico ou metano.

Manguezais, reservatórios de carbono

12/8/2021 ::  Por Carlos Fioravanti

Após analisar uma área de 1.500 km2 de Cananeia, no litoral sul paulista, o biólogo marinho André Rovai, em estágio de pós-doutorado na Universidade do Estado de Louisiana, nos Estados Unidos, concluiu que os manguezais de Cananeia, por causa do acúmulo intenso de matéria orgânica no solo e nas raízes, estocam em média 380 toneladas de carbono por hectare (t/ha) ‒ 1 hectare equivale a 10 mil metros quadrados ‒, enquanto outros estudos mostram que os da região Norte armazenam 297 t/ha e os do Nordeste 217 t/ha.

Mangue - manguezal
Mangue em Maracaipe – Ipojuca.

“A concentração de carbono no solo é maior em certas áreas, como em Cananeia, devido à produção de raízes e folhas do próprio manguezal e florestas adjacentes, enquanto em áreas banhadas por grandes rios, como na Amazônia, a concentração de carbono no solo é diluída, em virtude da elevada quantidade de sedimento mineral também trazida pelos rios”, diz ele.

Em consequência, estimou Rovai, a perda dos manguezais de Cananeia implicaria uma liberação de 1.395 t/ha/a de carbono estocado no solo e na vegetação, e a redução do sequestro de carbono no solo e na biomassa, respectivamente em 27 e 12 t/ha/a, como detalhado em um artigo publicado em setembro na Forest Ecology and Management, em colaboração com pesquisadores de São Paulo, Pernambuco e Bahia e da Universidade de Louisiana, Estados Unidos.

Alta concentração de carbono

“Os manguezais são extremamente ricos em carbono, mais que outros biomas, quando consideramos uma mesma área, mas não são a solução para a mitigação dos efeitos da emissão de CO2 porque a área que ocupam é pequena em comparação com a Amazônia, por exemplo. Mas, pela alta concentração de carbono, sua conservação evita a emissão adicional de mais CO2 para a atmosfera”, observa Soares.

A fragilidade do mangue
A fragilidade do mangue

Ele ressalta que absorver carbono é apenas mais uma entre as funções ecológicas, sociais e econômicas dos manguezais. Sob o risco de perder mecanismos legais de proteção por meio de resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) aprovadas em setembro, mas canceladas por medida liminar (provisória) no final de outubro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), esses ambientes litorâneos são importantes para proteger a linha de costa, preservando os ambientes litorâneos e evitando o assoreamento dos rios e estuários que desaguam no mar.

“Os manguezais funcionam não só como reservatórios de carbono, mas também controlam as inundações”, observa Soares. “O volume de água que entra na maré alta é muito menor do que a que sai na maré baixa seguinte, porque a água penetra no solo e nas tocas dos caranguejos e é liberada aos poucos para o mar.”

O biólogo marinho Mário Barletta, com sua equipe da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), observou outra peculiaridade desse tipo de ambiente: as espécies de peixes que visitam os manguezais variam de acordo com as fases da lua, que determinam a intensidade das marés, conforme estudo de março de 2019 na revista Science of the Total Environment.

Importante e delicado

“Robalos [Centropomus undecimalis], pescadas-amarelas [Cynoscion acoupa] e outras espécies predadoras aparecem frequentemente na lua nova, com maré alta, quando há bastante nutriente e visibilidade grande, enquanto as manjubas [Anchovia clupeoides] são favorecidas pela lua cheia, com maré baixa, quando é mais fácil escapar dos predadores”, conta.

Ele acrescenta: “Muitas espécies de peixes e crustáceos marinhos entram nos estuários quando vão desovar. Os ovos eclodem em áreas com um grau de salinidade, e as larvas crescem em outra área, com salinidade diferente, dentro do estuário, que é marginado por uma floresta de manguezal, antes de seguirem para o mar. Portanto, eliminar essas áreas implicaria uma redução do estoque de peixes normalmente pescados pela frota pesqueira na costa do Brasil”.

Manguezais, reservatórios de carbono
Mangue em Nova Viçosa © Heris Luiz Cordeiro Rocha

Em estudos publicados em fevereiro de 2019 na Science of the Total Environment e em março deste ano na MethodsX, Barletta alertou para a contaminação por microplásticos com até 5 milímetros de comprimento e por mercúrio em peixes de estuários como o do rio Goiana, em Pernambuco e Paraíba, e a baía da Guanabara, no Rio de Janeiro.

Por sua vez, na edição de janeiro da Marine Pollution Bulletin, pesquisadores da Uerj chamaram a atenção para a contaminação por derivados de petróleo nos sedimentos de manguezais do Pará, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, de Alagoas, Santa Catarina e Bahia. “A costa norte ainda tem baixos níveis de poluição por hidrocarbonetos”, comenta Soares, “o que justifica a necessidade de pensarmos em um novo modelo de ocupação”.

Artigos científicos:

FERREIRA, G. V. B. et alUse of estuarine resources by top predator fishes. How do ecological patterns affect rates of contamination by microplastics? Science of the Total Environment. v. 655, p. 292-304. 10 mar. 2019.
BARLETTA, M. et al. Ecology of microplastics contamination within food webs of estuarine and coastal ecosystemsMethodsX. v. 7, p. 100861. 19 mar. 2020.
BARLETTA, M. et alDistribution, sources and consequences of nutrients, persistent organic pollutants, metals and microplastics in South American estuariesScience of the Total Environment. v. 651, p. 1199-1218. 15 fev. 2019.
ARAÚJO, M. P. et alAssessment of Brazilian mangroves hydrocarbon contamination from a latitudinal perspectiveMarine Pollution Bulletin. v. 150, 110673. jan. 2020.

Fonte: As frágeis faces dos manguezais /Revista Fapesp  CC BY-ND 4.0

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