Biólogo

Cronobiologia

Cronobiologia: Cronobiologia é a ciência que estuda os fenômenos biológicos recorrentes que ocorrem uma periodicidade determinada, podendo ou não ter uma correspondência temporal com ciclos ambientais, como ciclo dia e noite, os ciclos de marés. 

Cronobiologia

9/10/2020 ::  Pesquisa Fapesp/Maria Guimarães.  CC BY-ND 4.0

Na natureza, as condições são um tanto inconstantes. Alimentos podem estar disponíveis ou não, predadores são mais abundantes em determinadas situações, os elementos climáticos são, por vezes, um desafio. Convém antecipar algumas dessas condições para entrar em ação quando é mais produtivo ou seguro.

Um roedor Tucu tucu (Ctenomys tucumanus)

Aí entra o relógio biológico, um mecanismo interno para regulação de atividade cujo controle genético vem sendo desvendado nos últimos 30 anos – feito reconhecido pelo Prêmio Nobel de Medicina.

Essa capacidade de previsão é especialmente preciosa para animais que não têm acesso fácil às indicações ambientais, como é o caso dos roedores subterrâneos conhecidos como tuco-tucos. Trata-se de um ambiente extremo do ponto de vista da luz, também uma realidade para animais polares, abissais ou cavernícolas, e por isso precioso para estudos de cronobiologia.

“Estamos comparando os ritmos biológicos na natureza e no laboratório”, conta a física Gisele Oda, coordenadora do Laboratório de Cronobiologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP).

“A linha de campo é pouco usual na cronobiologia, tradicionalmente estudada em ambientes controlados”, afirma ela, que chegou à biologia pelo caminho da física, estudando oscilações em sistemas dinâmicos.

Os animais eussociais
Os animais eussociais. Heterocephalus glaber.

A comparação entre as duas situações logo acrescentou elementos a serem desvendados quando os tuco-tucos, diurnos na natureza, no laboratório passaram a ser noturnos. Essa mudança já tinha sido observada em outros animais, entre eles os parentes chilenos dos tuco-tucos conhecidos como coruros.

Economia energética

A bióloga Patricia Tachinardi, do grupo de Gisele, concentrou-se nesse aspecto e concluiu que traz o benefício de economizar energia, conforme relata em artigo publicado no ano passado na revista científica Physiological and Biochemical Zoology.

Como parte de seu doutorado, defendido em 2017, Patricia pôs tuco-tucos em câmaras que medem a atividade metabólica por meio do consumo de oxigênio na respiração. Nesses experimentos foi possível definir que temperaturas entre 23 graus Celsius (°C) e 33 °C são ideais para esses animais e estimar quanta energia eles economizam sendo diurnos ou noturnos.

Importância do mangue 

O estudo contou com a parceria do fisiologista norte-americano Loren Buck, da Universidade do Norte do Arizona, especialista em balanço energético nas condições naturais. Um percalço surpreendente foi que três dos nove animais sujeitos ao experimento, notívagos no laboratório, instantaneamente passaram à atividade diurna nessas caixas. “A umidade aumenta e a concentração de oxigênio é menor do que nas condições normais do laboratório, precisamos controlar essas condições para investigar o que incita a mudança no padrão de atividade.”

Acontece que no inverno, quando o aconchego do ninho subterrâneo seria bem-vindo, os tuco-tucos na natureza precisam estar mais ativos. Eles têm que comer mais para obter a energia suficiente para enfrentar o frio e o alimento, nessa época, é mais escasso. Torna-se então crucial restringir a atividade às horas em que o Sol ameniza a temperatura. Para estudar em detalhe o consumo energético em campo, o grupo de Gisele esbarra em limitações técnicas. “Os acelerômetros que temos ainda são muito grandes para serem acoplados aos animais livres”, diz a física. Ela se refere a aparelhos que, presos a coleiras ou implantados, poderiam registrar com precisão o movimento e o dispêndio de energia dos animais.

Orçamento energético

Momento difícil para a ciência

É curioso constatar a capacidade adaptativa do horário de atividade como se as condições ambientais acionassem um interruptor que instantaneamente muda o padrão. “Ser noturno ou diurno costuma ser associado à identidade de cada espécie, como um rótulo imutável”, comenta Gisele. As observações se encaixam no modelo “trabalhando por comida” do cronobiólogo holandês Roelof Hut, da Universidade de Groningen, onde Patricia passou um período durante o doutorado.

Ele mostrou, em camundongos, que o aumento da dificuldade para obter comida os transforma de noturnos em diurnos. “Quanto mais eles precisam fazer esforço para comer, mais diurnos ficam”, explica a bióloga. Seria, de acordo com a hipótese, o que acontece com os tuco-tucos quando precisam cavar túneis para encontrar escassas folhagens. “O orçamento energético na natureza é bem justo, enquanto no laboratório eles têm alimento à vontade.” Na mordomia calórica do cativeiro, esses animais reverteriam ao modo noturno – supostamente o padrão nos ancestrais dessa espécie.

Atividade dos tuco-tucos

Desde o início, avaliar a atividade dos tuco-tucos não foi uma tarefa trivial. Um problema é eles passarem boa parte do tempo em galerias subterrâneas no solo desértico na região de Anillaco, na Argentina, um povoado de 1.400 habitantes mais conhecido por abrigar a casa do ex-presidente Carlos Menem, que nasceu ali. Ainda durante seu governo, em 1998, foi inaugurado na cidade o Centro Regional de Pesquisas Científicas e Transferência Tecnológica (Crilar), como parte de uma iniciativa para estabelecer polos científicos em áreas distantes.

É o cenário ideal para estudar esses roedores, talvez uma espécie ainda não descrita. Enquanto sua taxonomia está indefinida, os pesquisadores os identificam como Ctenomys knighti, a espécie conhecida na região. “Está cheio deles no jardim do Menem e são considerados pragas pelos vinicultores na propriedade vizinha ao centro de pesquisa”, conta Gisele. Mesmo assim, o maior indício do período ativo dos tuco-tucos eram as vocalizações que emitem o dia inteiro, de dentro de suas tocas.

Coisas que um biólogo deve saber

Gisele começou a estudar esses animais há oito anos em parceria com a bióloga argentina Verónica Valentinuzzi, do Crilar, que conheceu durante estágio de pós-doutorado no IB-USP. Desde o começo, contou com a ajuda de Patricia, Danilo Flôres e Barbara Tomotani, à época estudantes de graduação em biologia.

Física, biologia e tecnologia se unem para desvendar ritmos

Para monitorar os tuco-tucos era preciso capturar os animais, conseguir sensores que os acompanhassem sem perturbar suas atividades, além de desenvolver arenas seminaturais para experimentos de onde eles não conseguissem fugir cavando, entre outros desafios. Depois de várias tentativas e erros, conseguiram construir muros subterrâneos de concreto abaixo das cercas, instalar coleiras com sensores de luz e movimento nos animais e implantar sensores de temperatura em seu corpo.

Com esses equipamentos em oito animais durante os invernos de 2014 e 2015, foi possível verificar que todos se expunham à luz solar por breves períodos, quando jogam terra para fora durante escavações de túneis, quando buscam folhas das plantas que comem ou ficam parados à entrada, talvez se aquecendo. A exposição à luz acontece pelo menos uma vez por dia, mas em geral várias vezes, como mostrou artigo publicado em 2016 na Scientific Reports como parte do doutorado de Danilo, encerrado em 2016.

Projeto:
Artigos científicos
  1. FLÔRES, D. E. F. L. et al. Entrainment of circadian rhythms to irregular light/dark cycles: A subterranean perspectiveScientific Reports. v. 6, 34264. 4 out. 2016.
  2. TACHINARDI, P. et alThe interplay of energy balance and daily timing of activity in a subterranean rodent: A laboratory and field approachPhysiological and Biochemical Zoology. v. 90, n. 5, p. 546-52. set.-out. 2017.
  3. TACHINARDI, P. et alNocturnal to diurnal switches with spontaneous suppression of wheel-running behavior in a subterranean rodentPLOS ONE. v. 10, n. 10, e0140500. 13 out. 2015.

fonte: Pesquisa Fapesp > Um relógio que funciona no escuro

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