O elo com os pterossauros
O elo com os pterossauros: Estudo sugere que um grupo de pequenos vertebrados terrestres extintos, os lagerpetídeos, foram os parentes mais próximos desses misteriosos répteis alados.
O elo com os pterossauros
9/4/2021 :: Por Marcos Pivetta
Nunca foi fácil classificar pterossauros, os primeiros vertebrados com asas que dominaram os céus no tempo em que os dinossauros perambulavam em terra firme, entre 230 e 66 milhões de anos atrás.
Tem sido assim há dois séculos e meio, desde que foi descrito seu primeiro fóssil, hoje atribuído à espécie Pterodactylus antiquus, que viveu no final do período Jurássico, há 150 milhões de anos.
Em 1784, o florentino Cosimo Alessandro Collini (1727-1806) descreveu um estranho animal cujo esqueleto fora encontrado ao menos duas décadas antes em uma pedreira de calcário em Eichstätt, uma localidade da Baviera, na Alemanha.
Em meio ao conjunto de vestígios ósseos, destacavam-se um longo bico com uma dentição afiada e um misterioso quarto dedo da mão, ainda mais alongado. Curador do gabinete de história natural da cidade germânica de Mannheim, Collini achava que se tratava de um ser aquático, com nadadeiras, impressão reforçada pela proveniência do material, oriundo de uma coleção de peças de aparente origem marinha.
A saga para classificar os pterossauros
Uns poucos anos mais tarde, o naturalista Jean Hermann (1738-1800), de Estrasburgo, na França, disse que esse animal seria um mamífero com asas sustentadas por uma membrana ancorada somente no avantajado quarto dedo, um mecanismo com alguma semelhança, mas não igual, ao que surgiria mais tarde nos morcegos. Na década de 1810, seu colega Georges Cuvier (1769-1832), do Museu de História Natural de Paris, que recebera desenhos e escritos de Hermann, classificou o intrigante ser como um réptil voador.
Deu-lhe ainda uma definição pouco lisonjeira ao dizer que ele era “produto de uma imaginação doentia em vez das forças ordinárias da natureza”. A sentença se explica por uma peculiaridade dos pterossauros, que se extinguiram com os dinossauros e não deixaram descendentes vivos: eles não se parecem muito com nenhuma forma de vida que os antecedeu e aparentemente vieram ao mundo dotados de uma anatomia adaptada ao voo muito particular, cuja gênese é um enigma.
Um estudo recente de uma equipe internacional de paleontólogos, coordenada por Max Langer, do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), deu um passo importante para entender melhor a origem dos pterossauros.
Segundo o trabalho, que recebeu destaque de capa na edição de 17 de dezembro da revista Nature, um grupo de pequenos bípedes terrestres, pouco conhecido e relativamente raro no registro fóssil, os lagerpetídeos, são os precursores dos pterossauros. Até recentemente, a visão dominante entre os paleontólogos era a de que os lagerpetídeos, que devem ter surgido no antigo supercontinente austral Gondwana há pouco menos de 240 milhões de anos, eram precursores dos dinossauros.
Seriam esses os precursores dos pterossauros?
Os lagerpetídeos, que comiam essencialmente insetos e talvez animais menores, não voavam nem tinham algo similar a asas, mas suas patas dianteiras eram alongadas. “A anatomia das garras de suas ‘mãos’ indica que eles usavam seus membros anteriores para outros comportamentos que não o deslocamento junto ao solo, como escalar, arranhar ou capturar presas”, comenta Langer. Não por acaso na reconstituição artística das formas e do hábitat do Ixalerpeton polesiensis, espécie de lagerpetídeo encontrado na região de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que ilustra a capa da Nature e cujos vestígios foram analisados no artigo, os pesquisadores apresentaram esse animal dando um salto de uma árvore.
Origem dos pterossauros
O artigo não advoga a ideia de que os pterossauros tenham sido descendentes diretos dos lagerpetídeos, cujo registro fóssil conhecido mais antigo precede em 18 milhões de anos o mais antigo vestígio dos répteis alados encontrados até hoje.
“Dizemos que eles são grupos irmãos. É o mesmo tipo de relação evolutiva que existe entre o homem e o chimpanzé. Um não descende do outro. O que os aproxima é o fato de suas linhagens terem se originado de um ancestral comum”, explica Langer.
Todas essas antigas formas de vertebrados – dinossauros, pterossauros e lagerpetídeos – têm algum grau de parentesco entre si e representam linhagens que compõem um grupo ainda maior e mais antigo de répteis, os arcossauros. Atualmente, as aves (que são representantes do grupo dos dinossauros) e os crocodilos são os únicos arcossauros vivos.
Até hoje, fósseis de apenas seis espécies de lagerpetídeos, que viveram entre 237 e 210 milhões de anos atrás, foram descobertos em quatro países (Brasil, Argentina, Estados Unidos e Madagascar). É um grupo de répteis extintos cujo conhecimento científico remonta a apenas cerca de 50 anos. Todas as formas conhecidas desse animal são de porte modesto, com comprimento entre 10 centímetros e 1 metro (m) e peso máximo de 5 quilos. Inicialmente, foram encontrados fósseis apenas dos ossos do quadril e das patas traseiras. Nos últimos 10 anos, foram achados vestígios ósseos de outras partes desses répteis, como crânio, coluna e patas dianteiras. Assim foi possível ter um melhor entendimento da anatomia dos lagerpetídeos e compará-la com a dos primeiros pterossauros.
Estudos:
EZCURRA, M. D. et al. Enigmatic dinosaur precursors bridge the gap to the origin of Pterosauria. Nature. 9 dez. 2020.
PADIAN, K. Close kin of the first flying vertebrates identified. Nature. 9 dez. 2020.
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