El Niño
El Niño: oceanos mais quentes há 3,3 milhões reduziram a oscilação de temperatura no Pacífico; conhecimento do efeito deve ajudar a prever o impacto do aquecimento global sobre o fenômeno.
El Niño: entendendo o fenômeno climático
28/9/2022 :: Meghie Rodrigues/Revista Pesquisa Fapesp
Há tempos os pesquisadores tentam entender melhor o funcionamento de um dos mais importantes fenômenos climáticos do planeta: o El Niño Oscilação Sul (Enos). Marcado por mudanças cíclicas nos ventos e na temperatura das águas superficiais do oceano Pacífico, o Enos influencia o regime de chuvas em diferentes áreas do globo e é composto por duas fases opostas: a do El Niño, quando a temperatura do leste do Pacífico, próximo à América do Sul, fica alguns graus acima da média, e a La Niña, na qual ocorre o inverso e essas águas se tornam mais frias.
Um estudo publicado em agosto na revista Nature Geoscience avança na compreensão dos fatores que influenciam a intensidade do Enos e pode contribuir para o desenvolvimento de modelos climáticos mais precisos.
No trabalho, pesquisadores de 12 países, entre eles o Brasil, usaram dados da vegetação, das calotas polares e da concentração de gás carbônico (CO2) na atmosfera para alimentar 23 modelos climáticos e simular como o Enos teria se comportado no passado distante. O período escolhido para a análise foi o Plioceno Médio, há 3,3 milhões de anos. Naquela época, os continentes ocupavam praticamente a posição em que se encontram hoje e a concentração de gases que causam o aquecimento da atmosfera era semelhante à atual. Já outras condições, como a temperatura mais elevada dos oceanos, eram próximas às que se esperam para o final deste século.
El Niño já foi menos intenso no passado distante
As simulações indicaram que fenômenos atmosféricos e climáticos que acontecem nas regiões polares têm mais influência sobre o Enos do que se pensava. A temperatura dessas regiões afeta a posição da chamada Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), uma faixa da atmosfera carregada de umidade que afeta o regime de chuvas e secas em diferentes continentes. Hoje a ZCIT circunda o planeta próximo à região do Equador, mas, no Plioceno médio, estava mais para o norte por causa dos oceanos mais quentes e da ausência de gelo no Ártico.
“No Plioceno médio, a temperatura da superfície dos oceanos era, em média, 9 graus Celsius [°C] mais alta no hemisfério Norte e 4 graus mais alta no hemisfério Sul do que a de meados do século XIX, no período pré-industrial”, relata Gabriel Pontes, primeiro autor do estudo, que atualmente faz estágio de pós-doutorado no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Hoje, a temperatura média da atmosfera e dos oceanos está cerca de 1,1 °C mais quente do que no início da Revolução Industrial.
A diferença de temperatura entre os hemisférios fez a ZCIT se mover para o Norte, alterando o regime de ventos do hemisfério Sul, conta a meteorologista Luciana Prado, pesquisadora do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, que não participou do estudo. Essa alteração teria reduzido os episódios de El Niño e La Niña, que, quando ocorreram, podem ter sido mais moderados. “O resultado das modelagens feitas agora mostra que, há 3,3 milhões de anos, o Enos era um fenômeno relativamente mais estável”, explica.
Sistema climático
De acordo com o trabalho da Nature Geoscience, por causa da migração da ZCIT, o Enos teria sido 25% menos intenso no Plioceno Médio do que no período pré-industrial. “Esse achado é relevante por mostrar que, por meio da ZCIT, o degelo polar pode afetar o El Niño”, afirma Pontes.
O funcionamento da ZCIT é parte fundamental do sistema climático que, assim como um organismo vivo, busca constantemente a homeostase (equilíbrio) de temperatura e energia para funcionar adequadamente. “Sem esse mecanismo, as regiões equatoriais seriam bem mais quentes e as polares bem mais frias do que são. A Terra seria um lugar muito mais inóspito”, diz o oceanógrafo Marcos Tonelli, pesquisador do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM), no Rio de Janeiro, que também não participou do estudo.
Embora o Enos tenha potencialmente sido menos intenso no passado distante, quando as condições dos oceanos eram parecidas com as esperadas para o final deste século, é pouco provável que a intensidade do fenômeno volte a diminuir nas próximas décadas. A razão, segundo Pontes e Prado, é que a velocidade com que o CO2, um gás de efeito estufa, se acumula na atmosfera é bem diferente nos dias atuais.
“O nível desse gás na atmosfera variou naturalmente ao longo de toda a história da Terra por diversos fatores naturais, mas essas variações ocorreram muito mais lentamente do que hoje”, afirma Prado, do IO. “De meados do século XIX para cá, em consequência das atividades humanas, houve um aumento muito mais rápido do que o observado nos 66 milhões de anos anteriores”, completa.
Entendimento de climas passados
A diferença da origem e da velocidade de acúmulo desse e de outros gases de efeito estufa muda a forma como o planeta se aquece e, por consequência, como responde ao aumento de temperatura. Por essa razão, não é possível concluir que o Enos e os episódios de El Niño e La Niña serão menos intensos até o final deste século, como ocorreu naquele passado distante. Na realidade, é até possível que o Enos se intensifique e os episódios de El Niño e La Niña se tornem mais frequentes.
“O estudo atual mostra que é preciso tomar cuidado ao comparar passado com futuro”, adverte Prado. “O entendimento de climas passados ensina sobre os mecanismos das mudanças climáticas, mas devemos ter cautela ao fazer uma comparação direta entre o que aconteceu e o que poderá ocorrer.”
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