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Caça ilegal ameaça fauna

Caça ilegal ameaça fauna: Ameaças para a fauna são muitas: desmatamento e queimadas recordes se juntam à facilitação do acesso a armamentos para caçadores.

Proibida no país desde os anos 1960, a atividade reduziu a população de várias espécies de animais e elevou o risco de desequilíbrio ambiental.

Caça ilegal ameaça fauna

15/10/2020 ::  Por André Julião e Ricardo Zorzetto  

O período entre os anos 1930 e 1960 é chamado de “época da fantasia” em muitas partes da Amazônia. “Fantasia” eram as peles de felinos exportadas para o mercado da moda norte-americano e europeu.

Querem liberar a caça no Brasil

Só a venda de pele das espécies mais exploradas – que incluíam jacarés, peixes-boi, veados, porcos-do-mato, capivaras e ariranhas – movimentou cerca de US$ 500 milhões durante o auge desse comércio.

De 1904 a 1969, algo em torno de 23 milhões de animais silvestres de ao menos 20 espécies foram mortos para suprir o consumo de couros e peles.

Esses dados, apresentados em um artigo publicado em outubro de 2016 na revista Science Advances, referem-se apenas ao que ocorreu nos estados de Rondônia, Acre, Roraima e Amazonas.

Ariranha Pteronura brasiliensis
Ariranha

O biólogo André Antunes, primeiro autor desse trabalho, calculou o número de animais abatidos no período ao combinar as informações disponíveis nos registros comerciais e portuários com as anotadas nos chamados manifestos de carga, relações detalhadas dos materiais transportados pelos navios que partiam do interior da Amazônia para o porto de Manaus.

Com os dados coletados durante o doutorado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Antunes, em colaboração com outros pesquisadores do Brasil, da Nova Zelândia, da Inglaterra e dos Estados Unidos, conseguiu reconstituir a história do comércio de peles na Amazônia ocidental durante boa parte do século XX e ter uma ideia mais clara de seu impacto sobre as populações das espécies mais caçadas.

Opção pela biologia
Opção pela biologia

A caça ilegal no Brasil

“A maior parte dos registros se perdeu”, conta o biólogo, atualmente pesquisador da Wildlife Conservation Society, organização não governamental com foco na conservação da fauna na Amazônia e em outras regiões do mundo. “A sorte é que os dados que restaram são muito detalhados.”

Em alguns casos, porém, os documentos não informavam de que animal eram as peles transportadas; em outros, declaravam apenas o peso do material – e de certos períodos não há informação. Essa descontinuidade nos registros exigiu modelagem computacional para estimar, com base na tendência geral e em probabilidade estatística, o número de peles de cada espécie comercializado no período.

Dia Internacional da Onça-Pintada - 29 de novembro
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Em pouco mais de 60 anos, calculam os pesquisadores, foram abatidos na Amazônia pelo menos 13,9 milhões de mamíferos terrestres de seis espécies: caititu (Pecari tajacu), veado-mateiro (Mazama americana), queixada (Tayassu pecari), jaguatirica (Leopardus pardalis), gato-maracajá (Leopardus wiedii) e onça-pintada (Panthera onca).

Entre esses, os caititus, talvez por serem mais numerosos, parecem ter sido a caça preferida: 5,4 milhões morreram de 1904 a 1969. No mesmo período, os caçadores abateram 804 mil jaguatiricas e gatos-maracajá, além de 183 mil onças-pintadas, o maior felino das Américas – quase 8 mil onças foram mortas em 1969, dois anos após a proibição da caça no país.

O canídeo da Amazônia
O canídeo da Amazônia

Desequilíbrio

As estimativas também apontam a morte de 1,9 milhão de mamíferos aquáticos, como o peixe-boi (Trichechus inunguis), e outros que passam parte do tempo na água e parte em terra, como as capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris), as ariranhas (Pteronura brasiliensis) e as lontras (Lontra longicaudis).

Também morreram 4,4 milhões de jacarés-açu (Melanosuchus niger), um dos maiores predadores da Amazônia, com seus 4,5 metros de comprimento em média, cobiçados pelo couro negro. “A extração de sua pele motivou o aparecimento de grandes curtumes em Manaus e Belém”, conta Antunes.

Amazônia Secreta
Amazônia Secreta

Analisando como a caça evoluiu na Amazônia ao longo desse tempo, eles concluíram que as espécies aquáticas descritas no estudo estiveram muito próximas de desaparecer em boa parte da região: deixaram de ser vistas por muito tempo nas áreas em que costumavam ser abundantes, de acordo com relatos de moradores. Já as populações de espécies terrestres se recuperaram razoavelmente bem, como indica a produção estável de peles ao longo das décadas. Seria um sinal de resiliência diante da pressão de caça.

Vulneráveis

Dois fatores ajudam a explicar a vulnerabilidade maior dos animais aquáticos. O primeiro é que algumas espécies de mamíferos que passam ao menos parte do tempo na água costumam apresentar uma baixa taxa reprodutiva. Ariranhas e peixes-boi, por exemplo, não geram muitos filhotes a cada gestação – e as gestações ocorrem a intervalos longos. Outro fator é que os mamíferos aquáticos parecem estar mais expostos aos seres humanos.

O futuro da Amazônia

“Na Amazônia, as ocupações humanas historicamente se localizaram à beira dos rios”, explica Antunes. “O acesso por embarcações facilita a obtenção de animais aquáticos e o transporte de suas peles, enquanto os bichos que vivem nas matas de terra firme têm mais refúgio e estão longe das comunidades ribeirinhas”, conta.

Ao confrontar a tendência de caça com fatos históricos do século XX, os autores do trabalho identificaram as causas econômicas que impulsionaram a exploração comercial da fauna silvestre amazônica. Por volta de 1910, a economia da região entrou em colapso com a disseminação da produção de látex na Malásia, que levou à perda de competitividade do produto brasileiro.

O comércio de peles, até então reduzido e focado na exploração do veado-mateiro, tornou-se uma alternativa de geração de renda para parte dos 500 mil imigrantes que haviam chegado à região nas décadas anteriores e para os indígenas que participaram do ciclo da borracha.

De 1930 a 1960, a caça comercial passou a ser uma das principais atividades extrativistas da Amazônia. Só em 1967, com a Lei da Fauna, a prática tornou-se proibida. Mesmo assim, segundo Antunes, a edição de portarias que permitiam liquidar os estoques intensificou o comércio ilegal de peles na região no início dos anos 1970.

O encolhimento das populações

Caça ilegal ameaça fauna
© Ana Cotta

Apesar da interdição em vigor há quase cinco décadas, a caça continua a ser praticada em todo o país. Um dos ambientes em que o prejuízo se torna evidente é a Mata Atlântica

Um estudo sobre os mamíferos silvestres no maior remanescente contínuo dessa floresta, na porção leste do estado de São Paulo, indica que, onde a caça persiste, ela causa a extinção local de animais de grande porte, como o queixada e a anta (Tapirus terrestris). Esses grandes mamíferos desempenham um papel fundamental na dispersão de sementes, na fertilização do solo e na renovação da floresta.

Nesse trabalho, coordenado pelo biólogo Mauro Galetti, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, os pesquisadores percorreram por volta de 4 mil quilômetros em 13 áreas na serra do Mar e registraram a densidade de 44 espécies de mamíferos e a biomassa total de oito delas.

“Ter muitos mamíferos não basta”, afirma o ecólogo Ricardo Bovendorp. “É preciso que haja animais grandes, como antas e queixadas, que não têm substitutos para as funções ecológicas que exercem no ecossistema”, explica o pesquisador, um dos autores do artigo que descreveu os resultados em uma edição recente da Animal Conservation.

Artigos científicos:

Fonte: Revista Fapesp > Os efeitos danosos da caça ilegalCC BY-ND 4.0

Link complementar: Caçadores expõem matança de animais silvestres

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