Velame branco
“O Menino repetia-se em íntimo o nome de cada coisa. A poeira, alvissareira. A malva-do-campo, os lentiscos. O velame-branco, de pelúcia. A cobra-verde, atravessando a estrada.”
– João Guimarães Rosa, Primeiras Estórias.
Velame-branco
Macrosiphonia velame (A. St.-Hil.) Müll. Arg.
Família Apocynaceae, mesma da alamanda, mangaba, tiborna e guatambu.
de Fernando Tatagiba * :: Subarbusto perene de até 80 cm de altura quando florida, produz látex branco, possui raiz tuberosa; caules normalmente pouco ramificados; folhas simples opostas, elípticas de ápice agudo a acuminado com até 6,5 cm de comprimento, densamente recobertas por pilosidade branca.
Pecíolos muito curtos, de comprimento raramente ultrapassando 5 mm.
Flores isoladas ou não, sendo emitidas do ápice do caule ou lateralmente; as pétalas são parcialmente fundidas, formando um tubo com cerca de 15 cm até a porção livre, que é muito atrativa; as sépalas são livres e bem menores que as pétalas.
Os estames, órgãos masculinos que produzem o pólen, são soldados próximo ao fim do tubo formado pelas pétalas. Cada flor produz dois frutos alongados verde-avermelhados.
As flores se abrem no cair da noite em impressionante movimento, desabrochando de uma só vez em poucos segundos. Permanecem abertas durante toda a noite e murcha na hora mais quente do dia seguinte. Flor se abrindo às 18:35h do dia 29 de outubro de 2006, em cerrado típico no Núcleo Rural Boa Esperança II, Distrito Federal.
Uso medicinal do velame-branco
A espécie é amplamente utilizada pelas populações tradicionais do Cerrado. A decocção feita com folhas e raiz do velame-branco é utilizada por muitos raizeiros no entorno de Goiânia como antiinflamatório.
Em entrevistas realizadas com 15 raizeiros tradicionais daquela região, o velame-branco foi citado por 90% deles como eficiente anti-inflamatório, depurativo e anti-sifilítico.
O velame-branco está entre as espécies medicinais nativas do Cerrado selecionadas pela EMBRAPA-CENARGEM, para formação de banco de germoplasma voltado à conservação, em parceria com outras instituições do Distrito Federal.
Conservação
A coleta para utilização medicinal sem adoção de critérios conservacionistas apresentam risco à espécie, porém, não há dúvidas de que a principal ameaça ao velame-branco e às demais espécies do Cerrado está na perda de habitat em decorrência da ocupação pela grande agricultura.
Não há ações no sentido de “salvar” as plantas em uma área aberta para lavoura ou pasto, nem mesmo para sua utilização ou comercialização. Quando muito, o espólio é utilizado na forma de carvão.
Deveria ser obrigatória a adoção de programas de transplante de plantas nativas herbáceas, subarbustos (como o velame-branco), e mesmo árvores na forma de sementes ou estacas de galho, quando da licença para supressão de vegetação para atividades agropecuárias (e outras como construção de barragens ou estradas) pelos órgãos ambientais.
Espólio: 1. conjunto de coisas que são tomadas ao inimigo numa guerra; 2. produto de um roubo, de uma pilhagem, de uma espoliação; 3. conjunto de bens que são deixados por alguém ao morrer…
Infelizmente os modelos dominantes de agricultura e desenvolvimento econômico adotados no Brasil são uma guerra contra as vegetações naturais.
Uso medicinal do velame-branco
Os reverenciados generais dos exércitos que travam esta guerra nem mesmo usufruem do espólio – milhões de plantas com alto valor econômico, paisagístico, fitoterápico (pra não falar do ecológico). Por trás de super-safras de grãos e exportações recordes do agro negócio está um desperdício incalculável – motivo de vergonha e tristeza.
São urgentes as iniciativas para conservação e uso sustentável dos valiosos recursos naturais de que dispomos. Espero que os netos dos meus netos ainda possam ver um velame-branco abrindo sua flor para o cerrado.
Todas as fotografias são de Fernando Tatagiba, no Distrito Federal em 29 de outubro de 2006.
Referências e sugestões bibliográficas sobre o velame-branco:
- Agência Brasil – Abr, 1999. Embrapa busca parcerias para conservação de plantas medicinais.
- ALMEIDA, S.P.; PROENÇA, C.E.B.; SANO, S.M.; RIBEIRO, J.F. , 1998. Cerrado: espécies vegetais úteis. Planaltina: EMPRAPA-CEPAC.
- Huoaiss, A.; Villar, M.S. e Franco, F.MdeM. 2001. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia. Rio de Janeiro.2925p.
- Morais, I.C; et al. 2005. Levantamento Sobre Plantas Medicinais Comercializadas em Goiânia: abordagem popular (raizeiros) e abordagem científica (levantamento bibliográfico). UFG. Revista Eletrônica de Farmácia Vol 2 (1), 13-16. www.farmacia.ufg.br/revista/_pdf/vol2_2_supl/resumos/ref_v2_2_supl-2005_p13-16Morais.pdf
- Mota, D.K.A.de S. et al. 2004. Plantas medicinais indicadas como antiinflamatórias por “raizeiros” da região de Goiânia. Infarma V.16, no. 1-2.
- MOBOT, Misouri Botanical Garden. http://mobot.mobot.org/cgi-bin/search_vast?onda=N01803966
- Ramos, A.C.S. et al. Fitogeografia de Hymenaea stigonocarpa, o jatobá-do-cerrado.
- Martius, F.v. 1877. Flora Brasiliensis http://florabrasiliensis.cria.org.br/search?taxon_id=1877
- Rodrigues, V.E.G e Carvalho, D.A.deC. 2001. Plantas medicinais no domínio dos cerrados. Lavras, 180p
- Rodrigues, L.A et al. 2002. Espécies Vegetais Nativas Usadas pela População Local em Luminárias-MG. Boletim Agropecuário. Lavras/MG. No. 52, p. 1-34.
- LitCult 2005 – escritores João Guimarães Rosa, Primeiras Estórias. Tradução para o francês de Inês Oseki Depré 28/12/2004.
- Agência Brasil – Abr. Embrapa busca parcerias para conservação de plantas medicinais.
Fernando Tatagiba, Msc. tatagiba@biologo.com.br – Biólogo/botânico :: Plantas do Cerrado
* Artigo originalmente publicado no Biólogo em 20/11/2006
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