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Coronavírus em animais

Coronavírus em animais: Grupo de patógenos já é amplamente conhecido pela comunidade veterinária e pode apontar caminhos para vacinas e tratamentos humanos.

Coronavírus em animais

2/4/2021 ::  Por Sarah Schmidt/Revista Fapesp 

Uma granja pode abrigar milhões de galinhas. É quase impossível, assim, que elas não fiquem aglomeradas – o que facilita a propagação do coronavírus aviário (AvCov), causador da bronquite infecciosa das galinhas, não transmissível para pessoas.

Sofrimento animal
Porcos confinados. Sofrimento animal

Assim como o Sars-CoV-2, a principal porta de entrada do microrganismo são as vias respiratórias, como as mucosas do nariz, bem como os olhos das aves.

Espalhado por todos os continentes, exceto o antártico, o AvCov é estudado há mais de 80 anos e, por isso, virologistas e imunologistas veterinários sugerem que o conhecimento sobre ele e outros coronavírus em animais pode sinalizar alguns caminhos e estratégias para lidar com o Sars-CoV-2.

“Uma única galinha pode infectar outras 20”, explica o virologista Paulo Brandão, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP).

Além de se replicar no trato respiratório, deixando as aves maCoronavírus em animais: pintinhosis suscetíveis a infecções e com dificuldade de se alimentar, aumentando sua mortalidade, o AvCov pode afetar o crescimento dos pintinhos, diminuir a produção e a qualidade dos ovos, causar infertilidade, diarreia e levar à perda de peso, o que deixa os frangos de corte impróprios para consumo.

Pelo seu alto grau de transmissão, é a segunda doença que mais causa prejuízos econômicos para a avicultura mundial, atrás apenas da gripe aviária, segundo o World livestock disease atlas de 2011, publicado pelo Banco Mundial. Brandão estima perdas de até 4.200 dólares a cada mil aves infectadas – os números foram publicados em artigo de 2015 na Revue Scientifique et Technique  International Office of Epizootics.

O que os coronavírus em animais podem ensinar

Impacto ambiental de um boi
Gado no pasto. Impacto ambiental de um boi

O AvCov foi o primeiro coronavírus descrito, em 1933. O principal controle da doença é feito por meio de vacinas, que existem desde os anos 1970. “O principal objetivo da imunização é reduzir a taxa de transmissão do vírus.

Por sua importância econômica, todas as tecnologias possíveis já foram testadas”, diz Brandão, que em junho de 2020 publicou uma revisão sobre coronavírus animais na revista científica Ars Veterinaria.

Hoje existem dois tipos de formulação no mercado: o primeiro, composto por vacinas de vírus inteiro atenuado, procura, principalmente, garantir imunidade no trato respiratórioNo segundo tipo estão as vacinas de vírus inteiro inativado (morto).

Mutação no novo coronavírus

Vacinas com preparações mais modernas, com DNA recombinante, RNA mensageiro e de subunidades proteicas são alguns dos tipos testados, mas ainda não comercializadas (veja os tipos de vacinas em teste contra a Covid-19 e como funcionam as diferentes estratégias). O mais comum é que seja feita uma imunização cruzada, com vacinas que cubram diferentes cepas que circulam em determinada região geográfica.

Mutações

A cepa mais disseminada é a Massachusetts, originada nos Estados Unidos. O Brasil também tem a sua, a GI-11, da qual derivam os subtipos BR1, BR2, BR3 e BR4. “A grande aglomeração de aves e a velocidade de transmissão potencializam as mutações”, explica o pesquisador.

Brandão tenta entender como algumas variações do vírus têm escapado das vacinas e lidera um projeto apoiado pela FAPESP no qual testou dois tipos de imunização em 90 galinhas: 40 receberam um imunizante contendo apenas a cepa Massachusetts e outras 40 a combinação desta com a GI-11.

Documentário Os Vírus
Documentário Os Vírus

A pesquisa está agora na fase de análise sorológica, na qual o soro coletado dos animais é posto em contato com o vírus cultivado – se há anticorpos, eles o neutralizam. “Quando isso não ocorre, coleto o material e faço o sequenciamento da nuvem de variação desse vírus. Assim, vejo quantas variantes escaparam, quais regiões do genoma permitiram que isso ocorresse e quais proteínas foram alteradas”, explica.

O objetivo é encontrar quais combinações de vacina conferem mais imunização e permitem fazer um guarda-chuva de anticorpos contra o maior número de variantes.

“Vejo esse trabalho como algo importante não só para a veterinária, mas para inferir o que se pode esperar de vacinas humanas para Sars-CoV-2, caso a vacinação não tenha a amplitude necessária em pessoas”, diz ele. “Ao longo do tempo, podem ser encontradas mutações que levem à necessidade de atualização da vacina.”

Imunidade

O conhecimento acumulado sobre coronavírus em animais tem sido útil na Rede USP de Diagnóstico da Covid-19, da qual Brandão faz parte, responsável por diagnósticos utilizando teste PCR em tempo real. Ele trabalha com um banco de amostras de exames que permitem análises de espectros de mutantes do Sars-CoV-2. “Essa análise é importante porque permite observar se há alguma pequena variante que possa se tornar mais patogênica e ver como a resposta imune influi”, diz.

Migração das aves
Migração das aves

“As únicas vacinas licenciadas no mundo para prevenir infecções respiratórias causadas por coronavírus em animais são as contra a bronquite infecciosa em galinhas”, contou, por e-mail, o médico veterinário italiano Nicola Decaro, do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade de Bari, na Itália. Em abril de 2020, ele publicou uma revisão sobre os coronavírus animais na revista Veterinary Microbiology, também com o objetivo de auxiliar a comunidade acadêmica a entender melhor o Sars-CoV-2.

“A experiência da medicina veterinária mostra que as melhores vacinas contra infecções por coronavírus devem ser capazes de desencadear a imunidade da mucosa. Por isso, em uma perspectiva de longo prazo, vacinas de vírus vivo modificado para administração intranasal poderiam ser desenvolvidas contra o Sars-CoV-2. Essas vacinas requerem atenuação progressiva do vírus em culturas de células, o que não pode ser obtido em um curto período”, explica Decaro. A imunidade da mucosa conseguiria, de forma mais efetiva, barrar o vírus antes de ele entrar no organismo.

Estudos:

Fonte: O que os coronavírus em animais podem ensinar/Revista Fapesp  CC BY-ND 4.0

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