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Meninas na ciência

Meninas na ciência: Iniciativas que procuram aproximar meninas da ciência se readaptam na pandemia.

Meninas na ciência

20/4/2021 ::  Por Sarah Schmidt

Momento difícil para a ciência
Projetos voltados para meninas promovem atividades

“Quando eu era mais nova, pensava que mulheres não poderiam ser cientistas. Todos os desenhos que eu assistia na televisão mostravam os cientistas como homens”, conta a estudante Analu Richter de Andrade, de 12 anos.

Moradora da cidade catarinense de Fraiburgo, ela participou da segunda edição do curso gratuito Menina Ciência – Ciência Menina, um projeto de extensão da Universidade Federal do ABC (UFABC), realizado em novembro de 2020 de forma remota por conta da pandemia.

Assim como outras iniciativas semelhantes no país, o projeto procura aproximar meninas das áreas conhecidas como Stem: ciência, tecnologia, engenharias e matemática.

“Sempre me interessei por ciência, mas não conhecia nenhuma mulher cientista antes do curso. Agora sempre pesquiso sobre elas no YouTube”, diz Andrade.
Meio Ambiente Inteiro
Meio Ambiente Inteiro

Durante cinco semanas, ela e outras 119 estudantes com idades entre 11 e 14 anos, divididas igualmente entre escolas privadas e públicas, conheceram pesquisadoras brasileiras, fizeram experimentos em casa – como um relógio solar construído com uma garrafa PET – com a supervisão remota de 31 monitoras, em sua maioria alunas de graduação e pós-graduação da UFABC, mas também de outras universidades do país. As estudantes ainda assistiram a palestras e participaram de rodas de conversa com pesquisadoras das áreas de matemática, física, biologia, astronomia, química, filosofia, história da ciência, entre outras.

“Os livros didáticos mostram mais cientistas homens. Isso contribui para que as meninas pensem que não podem ocupar esse lugar”, observa a física Maria Inês Ribas Rodrigues, da UFABC, coordenadora do projeto.

Em uma das primeiras atividades, as estudantes são convidadas a desenhar como veem um cientista em seu dia a dia. Ao final do curso, repetem o processo – o exercício é conhecido como Teste desenhe um cientista (Draw-a-Scientist-Test), desenvolvido na década de 1980 pelo historiador David Chambers, da Universidade Deakin, na Austrália. “É comum que os primeiros desenhos apresentem homens de jaleco, descabelados. Depois do curso, elas desenham mais mulheres e, muitas vezes, até elas próprias como cientistas”, relata Rodrigues.

Segundo a organizadora, como um dos objetivos do projeto é humanizar quem faz ciência, as cientistas não se apresentam apenas pela profissão: são mães, filhas, esposas. Ou seja: mulheres como quaisquer outras. Perceber isso fez diferença para a estudante Sarah Lima Pinheiro, de 12 anos, da capital paulista. “Eu já pensava em ser bióloga, mas essa ideia ficou mais forte depois do curso, porque me pareceu ser mais possível do que antes”, conta.

Reajustes na pandemia

Motivação na ciência
Motivação na ciência

Em sua primeira edição, em novembro de 2019, o Menina Ciência – Ciência Menina reuniu 50 estudantes nos auditórios e laboratórios da UFABC. Tanto a primeira quanto a segunda edição receberam por volta de 2 mil inscrições cada uma e as vagas foram preenchidas por meio de sorteio. Segundo Rodrigues, foi necessário repensar a realização quando a universidade paralisou as atividades devido à pandemia, em março de 2020. “Tivemos que nos readaptar ao virtual. Nesse meio tempo, busquei me aproximar dos resultados positivos de outros projetos, tais como o Astrominas”, conta ela, referindo-se ao projeto capitaneado pela astrônoma Elysandra Figueredo Cypriano, da Universidade de São Paulo (USP), que teve sua primeira edição realizada on-line em julho de 2020.

Desde 2018 a equipe do Astrominasformada por alunas de graduação e pós-graduação do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, leva oficinas de astronomia a eventos que procuram incentivar meninas a conhecer e gostar de ciência. Em abril de 2020 o grupo faria seu primeiro encontro oficial, planejado para receber 100 estudantes do 9º ano do ensino fundamental ao 2º ano do ensino médio. Para isso, convidaram palestrantes das áreas de ciências exatas e oceanografia da universidade. “As meninas caminhariam pela USP e visitariam os laboratórios e museus. Com tudo quase pronto, veio a pandemia. Minhas alunas, que ajudam na organização, ficaram muito tristes”, conta Cypriano.

Com experiência em ensino a distância, a astrônoma propôs uma edição on-line, o que permitiu a ampliação para 600 vagas, sorteadas entre alunas de escolas públicas e particulares – ao todo, foram 10 mil inscrições. “As estudantes foram divididas em grupos de WhatsApp formados por cinco meninas e uma monitora, que chamamos de fadas- madrinhas”, conta Cypriano. Eram 80 jovens cientistas de astronomia, física, geofísica, ciências atmosféricas, entre outros cursos.

Elas também são cientistas

Meninas na ciência
The Hospital for Sick Children. CC BY 3.0

Durante cinco semanas, as participantes tiveram até duas horas de atividades por dia, de segunda a sexta-feira, entre aulas, palestras e experimentos. Também conheceram as trajetórias de vida de cientistas brasileiras. As monitoras lançavam desafios diários e acompanhavam o processo. Ao final, todas as alunas que cumpriram os desafios ganharam um certificado. “Não queremos necessariamente transformá-las em cientistas, mas ter certeza de que vão exercer sua cidadania plena, conhecendo o processo científico, questionador e crítico”, avalia Cypriano.

A estudante Mariana Milena Prado de Sá, de 17 anos, da cidade goiana de Catalão, já gostava muito de física e de astronomia quando foi admitida na terceira chamada do curso, depois de ficar na lista de espera. Até então, pensava fazer engenharia da computação. “Depois de todas as atividades que tivemos, vi que poderia juntar tecnologia e astronomia e decidi cursar engenharia aeroespacial”, diz. Chamou sua atenção as palestrantes convidadas serem de diferentes regiões do Brasil. “Vi tantas cientistas de diferentes culturas que conseguiram alcançar seus sonhos. Foi inspirador.” Assim que o curso terminou, ela criou um perfil no Instagram para divulgar ciência e a trajetória de mulheres cientistas. “Crio os conteúdos e meus professores revisam.”

Impacto da maternidade na carreira científica
Impacto da maternidade na carreira científica

Neste ano, a equipe do Astrominas tem se reunido de forma remota para planejar o próximo evento, que novamente será on-line e abrirá inscrições em maio, com ao menos 600 vagas. A preparação para o Menina Ciência 2021, que deve ocorrer entre setembro e outubro, também está em andamento. “Vamos ampliar o número de vagas, porque vimos que é possível dar conta da situação”, comenta Rodrigues.

Interesse das estudantes

Experiente na forma presencial, mas iniciante on-line, o projeto Pequenas Cientistas, do campus de Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) adiou sua quarta edição por causa da pandemia. O curso foi transferido de outubro de 2020 para maio deste ano, com atividades e palestras divididas em quatro sábados para 170 inscritas com idades entre 8 e 17 anos.

Documentário Borboletas
Doc. Borboletas

“Antes, recebíamos alunas de 10 a 14 anos. Mas como tanto o interesse das estudantes mais novas quanto o daquelas do ensino médio é grande, aproveitamos o modelo remoto para ampliar a faixa etária. Elas sempre nos escreviam pedindo para participar”, explica a física Maria José Fontana Gebara, da UFSCar, organizadora desta edição.

As alunas serão divididas em grupos etários e participarão de atividades simultâneas transmitidas pelo Google Meet. Serão duas horas pela manhã e duas à tarde, entre palestras e atividades práticas acompanhadas pelas 20 monitoras: alunas de graduação e pós-graduação da UFSCar e de outras universidades. A opção pelos sábados partiu das próprias estudantes, que responderam a um questionário sobre o melhor dia para o curso. Elas também sinalizaram que gostariam de aprender mais sobre história da ciência, área que será abordada juntamente com física, química, biologia, matemática, nutrição, engenharia florestal, psicologia, computação, entre outras.

Estudos:

RODRIGUES, M. I. R. et al. Middle school girl in a scientific context and their conceptions about science, what can be learned? Esera Conference Proceedings. p.1270-6. 2019.
WITOVISK, L. et al. “Meninas com Ciência” vive e resiste pelo Museu Nacional/UFRJ. Anuário do Instituto de Geociências ‒ UFRJ. v. 43, n. 4, p. 238-52. dez 2020.

Fonte:Elas também são cientistas/Revista Fapesp  CC BY-ND 4.0

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