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Sapos fiéis

Sapos fiéis: Machos de espécie do litoral paulista formam parcerias reprodutivas que podem durar meses com duas ou três fêmeas, um comportamento inédito em anfíbios.

Sapos fiéis

24/8/2020 ::  Gilberto Stam/Pesquisa FAPESP.  CC BY-ND 4.0

Sapos com frequência se reproduzem em poças de água: cantando, os machos atraem fêmeas que ali depositam ovos de onde eclodirão girinos, larvas que dependem da água para se desenvolver.

Os sapos da caatinga
Os sapos da caatinga. (Pleurodema diplolister

Observações feitas por pesquisadores mostram que na maior parte das espécies os girinos de uma poça convivem com uma variedade de meios-irmãos por parte de pai, fruto de visitas de uma sucessão de fêmeas ao território do macho.

Pesquisadores do campus de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista (Unesp) contavam encontrar esse padrão habitual quando testaram populações de sapos-bode (Thoropa taophora), que se reproduzem em filetes de água sobre rochas que vão da mata até a praia em Ubatuba, no litoral de São Paulo. Mas foram surpreendidos.

“Girinos em diferentes etapas de desenvolvimento eram irmãos também por parte de mãe, sugerindo a permanência das fêmeas na poça durante todo o período reprodutivo de 10 meses”, diz o biólogo Célio Haddad, coordenador do grupo da Unesp.

“É a primeira espécie de anfíbio com esse comportamento, já observado em outros grupos de vertebrados: répteis, aves e mamíferos.” Os zoólogos não encontraram girinos de um mesmo macho em filetes vizinhos, reforçando que cada um defende seu pedacinho de água e assim é fiel às suas parceiras reprodutivas – configurando um comportamento reprodutivo até agora desconhecido em anfíbios.

O sapo fiel

Sapos fiéis
Imagem ilustrativa de dois sapos copulando (Bufo bufo ssp. spinosus).

Gravações em vídeo revelaram outros comportamentos que distinguem o sapo-bode das demais espécies. “Os machos disputam com agressividade os filetes de água, abraçando o oponente e tentando jogá-lo para fora em movimento circular semelhante ao do sumô”, conta o biólogo Fábio de Sá, primeiro autor de artigo publicado na revista Science Advances. “Ao mesmo tempo, o sapo-bode espeta o rival com espinhos que tem na região do polegar.”

As fêmeas dominantes de sapo-bode procuram ativamente o “dono” do filete, vocalizando em resposta ao macho e se aproximando de costas para o abraço nupcial, ou amplexo. Mas elas sofrem a competição de outras fêmeas de hierarquia inferior que canibalizam os ovos (comportamento incomum em sapos) para chamar a atenção do macho, eliminando parte da cria da adversária. O pai repele o canibalismo de forma delicada, sem afugentar a fêmea que pode se tornar uma segunda parceira reprodutiva.

Além das duas residentes, vídeos feitos pelos pesquisadores nos filetes de água do sapo-bode ao longo de 53 noites capturaram apenas dois rituais de reprodução. Neles, viram uma terceira fêmea rondando o macho à espera de uma oportunidade para ter seus óvulos fecundados, mas foi perseguida pelas rivais sem muito sucesso em atrair a atenção do pretendido. Machos invasores também podem canibalizar ovos, mas são repelidos de forma mais enérgica por aquele que já conquistou o filete.

Artigo científico

DE SÁ, F. et alUnexpected reproductive fidelity in a polygynous frogScience Advances. n. 6, eaay1539. 12 ago. 2020.

Fonte: Revista FapespO sapo fiel

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