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Saúvas cultivam diversos fungos

Saúvas cultivam diversos fungos: Saúvas e quenquéns podem cultivar e se alimentar de várias espécies de fungos, e não de apenas uma, como se pensava.

O estudo levou em conta dados ecológicos e também genéticos de mais de 40 espécies de formigas cortadeiras encontradas entre o Norte e o Sul das três Américas.

Saúvas cultivam diversos fungos

Por Suzel Tunes/Pesquisa FAPESP :: Há cerca de 10 mil anos, o desenvolvimento da agricultura foi determinante para o sucesso ecológico da espécie humana, favorecendo a proliferação de indivíduos e a ocupação de extensas áreas do planeta. Processo similar ocorreu com as formigas, só que muito tempo antes.

Saúva vermelha - Saúvas cultivam diversos fungos
Formiga Saúva vermelha (red Atta ant) cortando falso-lirio (Neomarica caerulea) by mauroguanandi

Mais de 50 milhões de anos atrás, as formigas da tribo Attini desenvolveram a fungicultura (tribo é uma classificação taxonômica entre a definição de família e a de gênero). Passaram a utilizar folhas, flores, fragmentos de galhos e sementes como substrato para o cultivo de fungos, base de sua alimentação.

Dos 14 gêneros de formigas que fazem parte da tribo Attini, as mais bem-sucedidas do ponto de vista ecológico são as cortadeiras, pertencentes aos gêneros Atta (saúvas) e Acromyrmex (quenquéns). Elas dominam todo o continente americano e fazem ninhos gigantescos, com milhões de indivíduos, alguns tão extensos que chegam a ser visíveis em fotos tiradas por satélites no espaço.

Por muito tempo, os ecólogos pensaram que o sucesso das saúvas e quenquéns se devia à sua maneira particular de cultivar alimento. As cortadeiras distinguem-se por utilizar folhas verdes e frescas, recém-cortadas por suas potentes mandíbulas, como substrato para seus jardins de fungos, enquanto as demais formigas da tribo Attini lançam mão de folhas mortas e material orgânico em decomposição para produzir sua comida.

Cardápio mais variado – Saúvas cultivam diversos fungos

Saúvas cultivam diversos fungos
Uma colônia de formigas cortadeiras Atta laevigata e seu fungo no Museu de Zoologia da USP. By Alex Wild

A ideia dominante era a de que, nesse substrato verde, onde há mais nutrientes do que nas folhas mortas, as cortadeiras cultivavam apenas um tipo de alimento: fungos da espécie Leucocoprinus gongylophorus.

Segundo a teoria mais aceita, as cortadeiras teriam surgido ao longo dos últimos 19 milhões de anos e passado por um processo de coevolução ao lado desse fungo, gerando uma relação de fidelidade. Agora, um trabalho realizado por biólogos brasileiros e norte-americanos, publicado em maio na revista Molecular Ecology, contraria essa concepção.

“A ideia de que cada grupo de formiga cultivava apenas uma espécie de fungo era algo consolidado. Mas nosso estudo mostra que as formigas estão abertas a novas parcerias, e essas trocas não alteram o sucesso ecológico das espécies”, diz o farmacêutico-bioquímico Mauricio Bacci Júnior, do Centro de Estudos de Insetos Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, e um dos líderes da pesquisa, que envolveu sete universidades.

Descoberta – Saúvas cultivam diversos fungos

Bacci explica que o fungo Leucocoprinus gongylophorus, que se julgava ser específico dos ninhos de saúvas e quenquéns, foi encontrado em colônias de formigas do gênero Trachymyrmex, também da tribo Attini, mas que têm um comportamento intermediário entre as cortadeiras e as não cortadeiras: elas utilizam tanto folhas verdes quanto matéria orgânica em decomposição como substrato de cultivo.

Ele também pondera que o fungo que recebia o mesmo nome das formigas Trachymyrmex (justamente por ser considerado um cultivo exclusivo desse gênero) talvez precise ser renomeado por ter sido identificado agora em ninhos de formigas Atta laevigata, cortadeira conhecida popularmente como saúva cabeça-de-vidro ou saúva-de-vidro. “Chegamos à conclusão de que o sucesso ecológico das formigas – e, consequentemente, também seu impacto destrutivo na agricultura – não pode ser atribuído à colheita de um superfungo específico”, diz o biólogo Ulrich Mueller, da Universidade do Texas, coautor do trabalho.

Um cultivo sofisticado – Saúvas cultivam diversos fungos

“Existe um ‘comércio’ subterrâneo de fungos. As formigas fazem o que a gente faz com os produtos agrícolas: trocam espécies de fungos entre si e selecionam as mais nutritivas”, compara Bacci. “Em uma mesma região, a poucos quilômetros de distância, é possível encontrar a mesma espécie de formiga com espécies distintas de fungos.” A relação formiga-fungo é mutualista (ambos se beneficiam), mas ainda são pouco conhecidas as complexas interações existentes no ninho. O pesquisador da Unesp conta que a cultura desses fungos cresce lentamente em laboratório. “A formiga cultiva-os muito bem, a gente ainda precisa aprender com ela.”

O artigo publicado na Molecular Ecology cita pesquisas anteriores com resultados semelhantes. A mais surpreendente foi realizada em 2015, com a colaboração de Bacci e Mueller. “Encontramos na Amazônia a formiga Apterostigma megacephala, uma espécie rara que geralmente cultiva um dos fungos mais primitivos de vida livre que se conhece, produzindo e se alimentando do fungo da cortadeira, Leucocoprinus gongylophorus”, relata o biólogo Heraldo de Vasconcelos, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), um dos autores da pesquisa. “A contribuição mais interessante do trabalho foi apresentar uma grande quantidade de evidências de que o processo coevolutivo entre cortadeiras e esse fungo foi mais difuso do que se imaginava”, declara Vasconcelos.

A Super Organização das Formigas
A Super Organização das Formigas
Adaptação – Saúvas cultivam diversos fungos

Não é apenas a habilidade de cultivar espécies variadas de fungos, porém, que define o sucesso ecológico dessas formigas. A capacidade de manter colônias tão numerosas em áreas com clima, vegetação e solo diversos depende ainda de dois outros fatores: hábitos de higiene meticulosos e cooperação com bactérias que eliminam fungos nocivos ao formigueiro.

“Essas formigas são muito vigilantes e fazem a assepsia de cada folha que trazem para o ninho, retirando os esporos de fungos que competem com os cultivados por elas”, conta o entomologista Odair Correa Bueno, professor da Unesp em Rio Claro.

Em um experimento em parceria com o biólogo André Rodrigues, especialista em fungos, Bueno e sua equipe infectaram colônias de saúva-limão com o fungo do gênero Syncephalastrum. Assim que identificavam exemplares do microrganismo nocivo, as operárias os retiravam e transportavam para uma área de descarte.

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