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Os índios na pandemia

Os índios na pandemia: A geneticista Tábita Hünemeier, do Instituto de Biociências da USP, fala de projeto para estudar a vulnerabilidade genética dos povos Tupi-guarani do Espírito Santo ao vírus Sars-CoV-2.

Os índios na pandemia

06/7/2020 ::  Depoimento concedido a Fabrício Marques / Pesquisa FAPESP.  CC BY-ND 4.0

Coordeno um grupo de pesquisa que trabalha com o estudo da variabilidade genética das populações nativas da América. Desde a chegada dos colonizadores europeus, essa variabilidade diminuiu entre 50% e 90%.

Índios são vítimas do garimpo.
Índios são vítimas do garimpo. by Sam valadi

As viroses que vieram da Europa e com o tráfico negreiro produziram epidemias que dizimaram vários grupos indígenas. Todas as populações humanas coevoluíram com patógenos e criaram resistência contra eles.

Mas, enquanto os povos da Europa, da Ásia e da África tiveram contato uns com os outros, as populações nativas da América estavam completamente isoladas e só conheciam os patógenos deste lado do oceano.

A vulnerabilidade não é coisa apenas da época do primeiro contato com europeus. Nas décadas de 1960 e 1970, essas populações foram bastante afetadas, por exemplo, por epidemias de sarampo. A principal causa de morte dos indígenas ainda hoje são problemas respiratórios, como tuberculose e pneumonia.

Etnobiologia

Quando a Covid-19 se instalou no Brasil, imaginei como seria enorme o potencial de dizimar essas populações, tanto os grupos isolados que estão especialmente suscetíveis a um vírus novo quanto os que vivem próximos das cidades em situação de pobreza e vulnerabilidade.

Pensei que seria possível investigar como o perfil genético desses indivíduos influenciaria suas respostas imunológicas à infecção pelo Sars-CoV-2. Isso nunca foi estudado antes no curso de uma epidemia, e pode ajudar a prever estratégias para futuros eventos desse tipo.

Vulnerabilidade dos índios na pandemia

Índios da Amazônia

Trabalhar com populações isoladas da Amazônia, porém, estava fora de cogitação, já que o contato com grupos externos poderia levar a doença até elas. Resolvi apresentar um projeto à FAPESP, vinculado a um auxílio na modalidade Jovem Pesquisador por meio do qual investigo a diversidade genômica dos nativos americanos, para estudar a vulnerabilidade genética de duas populações nativas do Espírito Santo, das etnias Tupiniquim e Guarani-mbyá, que acompanhamos periodicamente há vários anos. O projeto foi aprovado em abril.

Tínhamos uma coleta de amostras nessas populações programada para abril para avaliar parâmetros clínicos como pressão arterial e glicemia. Decidimos adiar a coleta para julho e avaliar o estado de saúde de 600 indivíduos das duas etnias, que têm diferentes índices de exposição. Os Guarani são menos expostos, enquanto os Tupiniquim têm mais acesso às cidades.

Índios são vítimas do garimpo
Íyanomami

A ideia é incluir na avaliação dois exames de Covid-19 para saber quem teve infecção recente e desenvolveu anticorpos. Também vamos avaliar qual é a incidência de tuberculose no grupo. Além dos exames, eles responderão a um questionário para informar se exibiram sintomas da Covid-19 ou estiveram internados e se alguém da família pegou a doença ou faleceu. Depois, vamos usar as amostras dos indivíduos que testarem positivo para a Covid-19 e fazer análises genéticas.

A meta é mapear o genoma completo dessas pessoas e procurar genes específicos, comparando com os perfis de outras populações. Por meio dessa comparação, queremos entender se a ancestralidade indígena está tendo impacto em relação à suscetibilidade para a doença.

Análise de dados genéticos

Trabalho bastante com análise de dados, com pouca atividade em laboratório, então não fui muito prejudicada pelo isolamento social. Minha equipe tem sete pesquisadores, entre alunos de mestrado e doutorado e estagiários de pós-doc. Não tenho filhos, mas tenho um aluno de doutorado e uma pós-doc com crianças em casa e a rotina deles é mais complicada.

O custo do desmatamento
O custo do desmatamento. by Vinícius Mendonça/Ibama

Em março, quando a quarentena começou, dois de meus alunos estavam no exterior, um na Alemanha e outro na Espanha. O da Espanha eu pedi para voltar e ele deixou o estágio pela metade. A pós-doc que trabalhava no laboratório teve de parar de ir. Outro aluno ia para a Inglaterra em julho e não vai mais. Continuamos trabalhando e fazemos reuniões semanais, em grupo e individuais. É bem diferente de estar na sala ao lado e poder conversar a qualquer hora.

Eu seria palestrante em três congressos neste ano, dois deles internacionais, que não acontecerão mais na forma presencial. É um prejuízo, pois a ciência depende muito do networking que fazemos nesses congressos. Leciono uma disciplina de genética na graduação para duas turmas de calouros da área da saúde. É inviável dar aulas de três horas por videoconferência. Tenho optado por aulas de uma hora e preparado outras atividades complementares, como leituras e avaliações críticas de textos.

Fonte: Revista Fapesp > “Quando a Covid-19 chegou, logo pensei no potencial da epidemia para dizimar populações indígenas”

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